O Estado da nossa Nação

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“Podemos todos ter chegado em diferentes navios, mas agora estamos todos no mesmo barco”

Martin Luther King, Jr.

Acompanhei o debate sobre o estado da nação e fiquei com a sensação de que alguns intervenientes tinham regressado do planeta Marte e chegado a Cabo Verde, exatamente, no dia do debate.

Parecia que cada sujeito era uma ilha isolada, sem conexão entre si, como se não tivesse havido permutas de posição governo/oposição, legados, continuidade de Cabo Verde.

Foi esta a sensação com que fiquei admitindo, todavia, que outras pessoas tenham percecionado as coisas de forma diversa, o que não constitui nenhuma novidade.

Mas, afinal, que país temos?

Cabo Verde é ou não um país pobre e subdesenvolvido?

Cabo Verde tem ou não um nível de criação de riqueza e de poupança interna aquém do que é necessário para sustentar o seu desenvolvimento?

Cabo Verde tem ou não uma franja da população pobre que vive e sempre viveu na pobreza?

Cabo Verde tem ou não um desemprego estrutural que deriva um pouco do subdesenvolvimento da sua estrutura produtiva?

Algum governo, desde a independência, conseguiu resolver esses problemas estruturais?

Um exercício rápido de memória permite-nos com alguma facilidade chegar a conclusão que esses problemas estruturais não foram solucionados por qualquer governo, não porque nenhum os tenha identificado, não porque nenhum não os tenha querido resolver, mas simplesmente porque se tratam de problemas de resolução difícil. Essa dificuldade não deriva simplesmente da vontade dos governos, mas ela é tributária, em grande medida, das condicionantes objetivas inerentes ao perfil e condições do país.

Não somos tão fortes como alguns tentam passar ou vender a ideia, como também não somos tão miseráveis como outros tentam fazer crer. Cabo Verde tem feito o seu percurso, nesses 44 anos de independência, de forma exemplar, tendo os sucessivos governos feito o melhor que puderam para fazer crescer e desenvolver este país, que de quase inviável passou a ser um país de referência em matéria de superação e de resiliência.

Governar Cabo Verde, todos sabem disso, não é tarefa fácil, e todos já tiveram a sua oportunidade e responsabilidade de governar e de mostrarem aos cabo-verdianos o que valem. Por isso, a meu ver, a via da demagogia e do facilitismo é o pior caminho para se tentar ganhar a confiança e a credibilidade na opinião pública e de granjear a simpatia do eleitorado, tendo em conta a experiência que estes já possuem em contextos semelhantes e em resultado de vivências anteriores.

Dizer-se que o estado da nação é bom ou que a nação está de saúde, é simplificar, em demasia a questão, face ao muito que falta fazer e aos desafios importantes que existem, como aqueles relacionados com o emprego, com a pobreza, com as desigualdades sociais ou com as assimetrias regionais.

Mas, também, dizer-se que tudo está mal, que nada foi feito ou que tudo está por fazer, é simplesmente cair-se num negativismo que fragiliza o próprio discurso ou sua credibilidade e é negar o que, porventura, o governo anterior de bem fez.

O que uma oposição que deixa o poder pode dizer, é um pouco diferente do daquele nunca lá esteve, já que este não teve a oportunidade de testar as suas soluções e de pôr em prática as suas políticas. No caso do PAICV, fica-lhe difícil criticar a situação de crescimento, de desemprego, de pobreza, de segurança ou das desigualdades, sem se criticar a si próprio já que nos últimos 18 anos, teve responsabilidade de governo em 15.

Não se pode, a um tempo exaltar o que, porventura de bom se fez no passado pelo governo anterior, e, a um outro tempo, mandar abaixo o que de menos bom existe, cuja responsabilidade se assaca por inteiro ao governo atual, com apenas 3 anos de existência. Isso não é sério e nem é responsável!

Os desafios que Cabo Verde tem pela frente não se resolvem nem num nem em dois mandatos. São desafios para as gerações, o que implica, à partida, soluções de longo de prazo e compromissos para as implementar.

No debate sobre o estado da nação o que menos se viu foi a predisposição dos atores para se associarem a grandes compromissos que o país precisa. Parece que ninguém ainda se deu conta, que nenhuma força política em Cabo Verde é suficientemente forte para, sozinho, proceder as transformações que o país reclama, e nem nenhuma força é suficientemente fraca para ser dispensada de uma solução que conduza o país ao desenvolvimento.

É preciso que se olhe para os setores estratégicos para o desenvolvimento do país e se procure compromissos políticos que conduzam a implementação de políticas e medidas de políticas de longo prazo, com objetivos e metas bem definidos, bem como com a garantia de continuidade de políticas que percorram várias legislaturas.

O país anda a perder sucessivas oportunidades para o fazer, e cada dia que passa, sem que isso aconteça, é mais um passo que não se dá rumo a construção de um país mais competitivo no futuro.

E quem deve dar o primeiro passo no sentido de construção de um compromisso em Cabo Verde?

Quanto a mim deve ser quem está no poder!

Contudo, antes que tal aconteça, deve-se criar um ambiente favorável, com menos crispação possível, para que se possa dialogar.

Ademais, a função e a prática políticas em Cabo Verde têm de subir de nível quer em termos de propostas, discurso, modo de abordagem quer em termos de análise das matérias, elegância na discordância e elevação no tratamento de adversários. Os políticos são eleitos para representarem o povo e para trabalharem também por ele, e não para se investirem em guerrilhas dispensáveis ou em conflitualidades artificiais, sem nenhum impacto positivo na vida das pessoas, sobretudo, as que mais precisam de amparo dos poderes públicos.

As pessoas já começaram a dar mostras de algum desgaste com a teatralização de debates na casa parlamentar, sendo levadas pelo sentimento de que os parlamentares não estão a levar a sério os problemas candentes e complicados do país, embora, pessoalmente, não acredite que haja uma intenção deliberada no sentido de não se interessar pelos problemas da população.

Contudo, é bom que se tenha presente que a democracia se realiza pela prevalência de valores associados à sua existência. A democracia não é uma construção abstrata em que se basta na realização periódica de eleições e na escolha dos representantes da nação para o parlamento. Ela reclama por uma relação de representação de proximidade onde se procura uma relativa sintonia entre o que os eleitores aspiram e necessitam e a manifestação de empenhamento e ação concreta na procura da sua realização por parte dos eleitos.

As instituições da democracia precisam ser respeitadas e valorizadas, e quem deve fazer tudo para que assim seja são os seus titulares. Para isso, é necessário que o nível de debate suba, que as divergências sejam justificadas e fundamentadas com base na racionalidade, que a convergência, quando toca os interesses nacionais, seja a linha verde para a procura de entendimento e de compromisso.

Não advogo, que fique claro, uma democracia sem conflitualidade ou sem divergência. A democracia admite como natural a divergência e o dissenso, tendo em consideração que a sociedade não é homogénea e os interesses dos seus integrantes são dispares. Se o antagonismo é normal em democracia, também não deixa de ser verdade que ela admite convergência e consensos sobre matérias relevantes de interesse comum.

É assim, e terá de ser assim, sob pena de se estar a trair os interesses maiores que são do povo e da nação cabo-verdianos!

A bem da verdade, a meu ver, não podemos negar esta evidência: o quadro macroeconómico do país (em matéria de crescimento, da dívida, do défice e do desemprego) é diferente, para melhor, do que a situação que existia em 2016. Inverteu-se a curva de deterioração desses indicadores, e parece que estão criadas as condições para relançamento de um crescimento sustentável.

Mas o fato de o governo ter conseguido inverter a situação, não significa que conseguiu resolver os problemas estruturais que enfermam o nosso desenvolvimento. Os problemas estão lá presentes, e qualquer choque externo ou alteração do ambiente, sobretudo do exterior, pode novamente reacender a deterioração da situação.

Isso só revela uma coisa: a necessidade de que todos somos poucos para construir um Cabo Verde melhor!

P.S.: Estava convencido que o recente atentado, perpetrado contra o Presidente da Câmara da Praia, não seria objeto de politização ou de aproveitamento político no parlamento.

Afinal, me enganei!



4 COMENTÁRIOS

  1. Continuação do querer agradar, ou não desagradar a “Gregos e a Troianos”!! O culpado por o desemprego “estrutural” em Cabo Verde democrático (esquecemos os 15 anos da DITADURA) tem UM SÓ CULPADO o paicv!!
    Porque se este partido com uma visão DETURPADA da economia, e daninho ao nosso País tivesse seguido as reformas económicas da década de 90, e não tentar re-centrar todo de novo no Estado, hoje teria-mos um Cabo Verde verdadeiramente industrializado e resolvido o tal problema do desemprego estrutural.
    E no negócio aéreo aeroportos e a TACV? se teriam privatizado a TACV e os aeroportos a ser geridos por privados como já estava previsto? hoje já não teria-mos CV um CV consolidado como um HUB aéreo? Miliares de jovens e menos jovens a trabalhar na aviação, e à volta dos aeroportos? O mesmo também com os portos e tudo o que gere à volta dos portos modernos?
    Se todos os dinheiros mal gastos nas barragens à procura de água tivesse sido feito com responsabilidade não teria-mos hoje uma agricultura resiliente, mesmo com secas a gerar empregos e rendimentos?
    Porque que isto tudo não aconteceu em CV até agora? Por causa de uma mentalidade reduzida, anti investimento estrangeiro, e daninha para o nosso País do paicv!!

    Algum ressentimento JAR? não preocupas que este Governo tem apenas 3 anos de governação, e tudo que eu mencionei vai acontecer e muito mais…!! O que o seu candidato presidencial preferido criou, foi mau de mais para poder ser resolvido em apenas 3 anos!! Tenha paciência!!

    • Totalmente de acordo. O modelo de Governação MESQUINHO implementado pelo PAICV durante os 15 anos que esteve no poder resultou numa DEGRADAÇÃO e perda de tempo para o país. A Governação do PAICV caracterizou-se pela falta de capacidade em compreender as necessidades reais do país e não saber construir as bases de um desenvolvimento sustentavel, quando o momento proporcionou imensos recursos. Basta ver que a defesa dos que lá passaram assenta na quantidade de “obras” (Da qualidade de investimentos, nem um pio!!) e fogem dos resultados obtidos, apesar dos demorados 15 anos de poder. JMN foi o PM do nosso país com pior desempenho enquanto estado democrático. O PAICV ainda hoje tem dificuldades em sair do sistema da “nomenclatura” em que se viciou.

  2. O que mais impressiona nesses gajos, é o facto de todos aqueles que tolerream todos desvaneios económicos e derivas autoritárias de um tal JMN, hoje são totalmente intolerantes para com os três anos de UCS. Quando eu, a partir do Brasil chamava atenção para as burrices económicas do JMN, ganhei de prêmio, corte nas minhas bolsas de estudos pós-graduação, enquanto que os hoje analistas eram premiados com lugares em grandes projetos e remunerados a preços de dólares. Hoje, naturalmente tudo é ruim, tudo é sombrio. Como resultado a ex élite urbana agora é uma élite suburbana, el tristonha e infeliz. Aquilo que chamamos esquerda caviar agora é esquerda tainha. Não por acaso. Acabaram os confortos e férias nas “oropas”. Acabaram-se os milhões e o culpado é… UCS. A esquerda caviar crioula até parece o PT do Lula. Ainda não caiu na real. Lula condenado é a culpa não é do criminoso mas de quem julgou é condenou. “A alma mais pura do Brasil”.

  3. Falta-nos aprender em por em prática o sábio ensinamento tradicional dos nossos ancestrais e que Norberto Tavares cantou célebre: ” Nu djunta mô nu konpu nos Téra! Ka nu dexu tudu, sô pa Stadu fazi…!”
    De facto o que está a faltar a todos os níveis de pensamento e ação é a consciência de Cabo Verde nos pertence a todos: situação e oposição e é com unidade e luta de contrários com base em consensos que se pode promover o desenvolvimento do nosso Pais pelo qual todos nos orgulhamos do que foi e está sendo feito para o bem comum.

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