O debate público entre nós, de vez em quando, tem sido inundado com afirmações bombásticas, vindas quase sempre de agentes de desinformação, ao serviço do PAICV, travestidos de analistas, especialistas, comentadores, etc., e até mesmo pelos dirigentes desta força política, de que há uma saída em massa dos jovens de Cabo Verde, porque o país está cada dia pior.
De forma acrítica, alguns acólitos dessas teorias andam a reproduzir essas desinformações como sendo verdade absoluta.
Recentemente, num debate no parlamento, sugeri ao ainda líder do PAICV que revisitasse uma das muitas obras de António Carreira, na qual ele fez uma brilhante dissertação sobre o fenómeno migratório em Cabo Verde. Sei que a malta tambarina não morre de amores por Carreira, mas a sua obra ainda hoje serve de referência para quem queira compreender este tema, e não ficar nos lugares comuns e na mera retórica propagandista de quem não vê meios para alcançar o poder.
Saída em massa de cabo-verdianos houve sim nos anos 60 e 70, facto que obrigou o PAIGC a criar a vergonhosa autorização de saída, como forma de obrigar as pessoas a permanecerem cá, sob pena de ficarem nas ilhas apenas os que vieram do mato e a militância do partido-estado.
Vários estudos publicados após a obra de Carreira revelaram que sempre uma parte dos cabo-verdianos pensa em emigrar. Números a volta de 60% da população. Em 2003, por exemplo, Marzia Grassi, investigadora italiana, especialista em Ciências Sociais, na sua obra “Rabidantes: Comércio Espontâneo Transnacional em Cabo Verde”, aborda diversos aspetos da emigração cabo-verdiana e cita vários estudos e dados que confirmam isso mesmo.
É hora de pormos um ponto final nessa falácia do PAICV e dos seus tentáculos, quando todos sabemos de dirigentes deles que andam de porta em porta a angariar jovens para emigração para frequentar as formações cujas vagas são disponibilizadas no âmbito de parcerias entre as Câmaras Municipais e escolas portuguesas, quer servindo de intermediários das empresas que vêm cá recrutar trabalhadores.
A diferença é que, graças ao acordo de mobilidade negociado e concluído pelo governo do MpD, as pessoas deixaram de ter que pagar valores de até 500 contos para obterem a “papelada” necessária para a obtenção dos vistos. Talvez seja isso que esteja a incomodar os críticos, por terem perdido uma oportunidade de “negócios”.
A oposição tem insistido na narrativa de uma saída em massa dos jovens cabo-verdianos, alegando uma crise migratória sem precedentes. No entanto, uma análise mais aprofundada revela que esta visão é simplista e descontextualizada.
António Carreira, no seu livro “Migrações nas Ilhas de Cabo Verde”, destaca que as migrações em Cabo Verde têm raízes históricas profundas. Desde a ocupação das ilhas, a formação da sociedade cabo-verdiana foi marcada por movimentos de emigração e imigração. Estes movimentos foram influenciados por fatores económicos, sociais e políticos, que moldaram a identidade e a dinâmica populacional do arquipélago.
Carreira sublinha que as migrações em Cabo Verde são, em grande parte, motivadas por fatores económicos. A busca por melhores condições de vida e oportunidades de emprego tem levado muitos cabo-verdianos a emigrar. No entanto, é importante notar que este fenómeno não é exclusivo de Cabo Verde e reflete uma tendência global de mobilidade em busca de melhores oportunidades. Em Portugal, destino de eleição dos emigrantes cabo-verdianos, passa a mesma coisa. Há estudos que apontam que cerca de 70% dos universitários pensam em emigrar. Pergunto: Portugueses estão desesperados? Mas não é para lá que a elite do PAICV refugia-se?
A oposição tem utilizado a narrativa de uma saída em massa dos jovens cabo-verdianos como uma crítica ao governo atual. No entanto, os dados mostram que as migrações em Cabo Verde seguem padrões históricos e não representam uma crise recente. Além disso, muitos jovens cabo-verdianos que emigram mantêm fortes laços com o país e contribuem para o seu desenvolvimento através de remessas e investimentos.
As migrações em Cabo Verde são um fenómeno complexo e multifacetado, que não pode ser reduzido a uma simples narrativa de crise. A obra de António Carreira, que continua atual, oferece uma visão abrangente e contextualizada das migrações no arquipélago, desmontando as falácias propagadas pela oposição. É fundamental que as discussões sobre migrações sejam baseadas em factos e análises rigorosas, em vez de narrativas simplistas e desinformadas.
Vejam que no tempo dos governos do PAICV, os vários estudos mostram que o número de pessoas que pretendiam emigrar não é muito diferente de agora.
Não é preciso ser especialista para perceber que o cabo-verdiano é um povo aventureiro, curioso, integra-se com facilidade no estrangeiro e tem à sua disposição uma rede de relações familiares e de amizade em vários países que estão sempre disponíveis a recebê-lo em suas casas e a apoiá-lo na procura de trabalho e na integração. Só uma facção do PAICV que teima em não perceber isso.
É esse mesmo PAICV que se diz preocupado com a saída dos jovens, que apelidou os emigrantes de estrangeirados, proibiu a dupla nacionalidade, recusou conceder direitos políticos aos emigrantes, e há um catálogo enorme de torturas, sevícias e outros atos deploráveis praticados contra os emigrantes de férias em Cabo Verde, pelo que este partido não tem moral para falar nesse tema. Os emigrantes e os jovens não têm saudades do PAICV.
Referências:
– Carreira, António. “Migrações nas Ilhas de Cabo Verde”. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1977.
– Grassi, Marzia. “Rabidantes: Comércio Espontâneo Transnacional em Cabo Verde”. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003.
Esse cidadão acha-se o mais intelectual de todos. Segundo o douto” Não é preciso ser especialista para perceber que o cabo-verdiano é um povo aventureiro, curioso, integra-se com facilidade no estrangeiro e tem à sua disposição uma rede de relações familiares e de amizade em vários países que estão sempre disponíveis a recebê-lo em suas casas e a apoiá-lo na procura de trabalho e na integração.”
Sim, de facto assim como não é preciso ser especialista para concluirmos que o está em discussão são as razões da saída. Duas coisas diferentes. Não se faça de desentendido.
Comentários estão fechados.