Na Praia Tronku ê otu Vibe

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Numa cidade que até há cerca de 2 anos era indiscutivelmente o farol de Cabo Verde, onde todos, mesmos os mais fanáticos, acreditavam e apostavam, a cada dia que passava na nossa cultura, isto é na nossa música, na criatividade dos artistas e dos praienses e de todos e todas que escolheram Praia para nela viver mas, que de repente e por razões que ninguém esperava, mesmo contando com a Covid 19 caiu no esquecimento global. Quando a esperança já quase morta, não acredita em eventos oficiais que nos deixavam felizes e orgulhosos e estamos a falar dos muitos eventos realizados por entidades públicas e privadas, não é que surge algo simples, num ambiente que, provavelmente, muitos praienses nem sabiam da sua existência, ou sabiam mas com medo do Cash or Body nunca imaginariam por lá os pés, o Tronku, espaço cultural encravado numa zona entre Quelen, Cobon Fonton e Tira Chapeu, que beneficiou das requalificações urbanas feitas há já alguns anos atrás, nasceu e floresceu. Quando o Philipe e o Hércules me falaram desse espaço, pois estive ausente do país algum tempo, falaram com tanta emoção e simpatia que sinceramente custou passar os dias, para o sábado do Tronku. Tinha de conhecer o espaço, no qual um jovem acadêmico, segundo relatos e o testemunho do próprio, fez um verdadeiro milagre cultural, contrariando toda a anti-dinâmica existente na Praia – um trabalho de intervenção, inclusão social, economia solidaria, contraposição a subalternização , e integração comunitária urbana, mostrando que afinal Praia de Santa Maria pode e deve ser verdadeiramente una. Quando chegamos por volta das quatro horas da tarde o centro onde acontece tudo já estava quase cheio. Muitos jovens, muita gente conhecida. Para estacionar o seu carro o Hércules contou com a ajuda importante de um morador: um pouco mais para a direita dizia, endireita as rodas, mais um pouquinho para frente, mais, mais e o nosso embaixador, seguindo ás riscas as indicações, lá consegui estacionar o seu grande mercedes imaginem, num último cantinho que parecia estar mesmo á espera dele. Éramos 6 adultos e 2 crianças. Logo veio um jovem para nos orientar e arranjar mesas. Em pouco tempo já estávamos bem sentados e com cerveja, sumo e água a desfrutar da música do Conjunto do Médio Oriente de Cabo Verde. O nome já complicado, fica mais ainda quando vemos instrumentos nunca dantes vistos na cidade da Praia, mas agora presentes no Tronku. Os olhos ficam ainda mais arregalados quando ouvimos uma jovem a apresentar o grupo: um de Cabo Verde, um da China, outro Americano, outro do Egipto, uma espanhola, uma francesa, um brasileiro ou seja, quase o mundo inteiro estava lá presente, sem contar com a diversidade de nações presentes por entre o público. Tocaram músicas desconhecidas ou pouco conhecidas pela grande maioria das pessoas que batiam palmas enquanto uma dançarina que parecia árabe, mas é francesa, se movimenta ao som desses instrumentos também diferentes dos que temos em Cabo Verde. Ás vezes a anca movia-se dando ar que dançava batuque, outras vezes era certo que estávamos a ver momentos de funaná e ainda a morna e a coladeira por vezes se sentia também presente. Movimentos de leveza tal, que a francesa parecia flutuar no ar, quando, propositadamente, se aproximava das mesas dos clientes, ora trazendo um lenço que mais parecia asas de passarinha de pena azul. Mas ela estava a dançar músicas do médio Oriente, será? Ou do norte de África? Egipto? Flamengo francês? Que importa, afinal a dança cativava até as criancinhas. Não percebo nada desse tipo de música e dança mas que é gostoso e nos leva para outros patamares não restam dúvidas. Um palco pequeno onde só se viam as cabeças dos que estavam atrás, mas muito bem encaixado. De um lado o nosso continente africano e do outro a nossa bandeira azul de riscas e com as 10 ilhas, a nossa bandeira da liberdade. Compram-se senhas e vão chegando, caipirinha, cerveja etc etc a gosto do freguês. Bafas quase sempre grelhadas não faltavam. O serviço é rápido eficiente e simpático. Também jovens de muitas ilhas: Santiago, S. Nicolau e Santo Antao foram os que nos atenderam. Dominavam pelo menos o francês e o português pois ouvi-os a atender gentes de fala dessas áreas. Começa a segunda parte. São os Afrojazz Quintetos. São todos meus conhecidos. Jovens que já encontrei em vários eventos do passado. Agora partiram para uma nova onda. Provavelmente influenciados pelo Nick, músico com formação universitária na area, o que infelizmente não há muitos neste país e que marca indiscutivelmente a diferença. Começam a tocar e o público incluindo os mais novos, estou falando de crianças dos 2 aos 6 anos de idade vão para a frente do palco e “ badju bedju”. O badju estende-se pelo largo todo. Os moradores do largo saem a janela e alguns dão um pé de dança. De todos os moradores chamou-me a atenção um idoso dos seus quase 90. Está no prédio do palco. De mãos agarradas no ferro da varanda, está imóvel. Não dança, não canta, não faz nenhum gesto ou movimento. Mas nos olhos vê-se que está radiante e esperançoso. Afinal todos do largo ganham com esse movimento. Não só algo material mas principalmente a paz e a concórdia entre a vizinhança que já não houve falar em cash or body.

Certamente ele construiu com as suas próprias mãos esta casa na esperança de um dia vir a viver esses momentos.
Já íamos a sair quando entrou um grupo de batucada. Todos de pé e cada um á sua maneira, uns só a cabeça, outros também com o ombro, mas algumas jovens que provavelmente estudaram no Brasil, mexiam da ponta dos cabelos ao dedinho mindinho dos pés. Uma maravilha.
E foi nessa ponta final que deixamos a malta a curtir, é essa a palavra exata, sem mais nem menos. Curtir, curtir e curtir e eu á espera do próximo sábado.
Viva Tronku ku otu Vibe.
Tober Lopes da Silva
05/06/2022


1 COMENTÁRIO

  1. Entregue ao paicv, para fazer experiências “esquerdoespalhafatosas”, a Capital do país regride a olhos vistos, tal como regredia o país, sob a gestão do JMN. Daí que não reação nem mesmo no partido da ditadura.

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