Dinheiro em Cabo Verde: o “buraco” entre a oferta e a procura!

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Como já se suspeitava em meios restritos, Cabo Verde é afinal um País com excesso de liquidez de dinheiro a dois níveis: por um lado nos bancos e, por outro, no Estado. Por estes dias, tenho acompanhado com atenção à reacção da sociedade à frase do nosso Vice Primeiro-Ministro (VPM), Dr. Olavo Correia, tentando eu entender, lá no fundo, onde estaria o “buraco” (gap) que motivou tanto humor e incompreensão. Parti do princípio que tanto o VPM como os incrédulos e humoristas tinham a sua razão e convicção. Vejamos.

a) Aquisições públicas

No nosso País, o modelo de Autoridade Reguladora para as Aquisições Publicas (ARAP), de que tive o privilégio de ter sido árbitro na Comissão de Resolução de Conflitos, precisa de uma profunda reavaliação e renegociação. A teia de procedimentos e burocracia criada para a contratação pública, na ânsia de promover a transparência promove, como produto final, uma pesada burocracia e lentidão na adjudicação de recursos públicos. Tanto concursos abertos como short lists levam uma eternidade a acontecer. Num País em que se criam empresas no Dia, fazem-se afinal concursos sem Dia. Como as empresas ficam a dever mensalmente, a eternidade não é um prazo aceitável e funcional. Na era da criatividade e inovação que vivemos, a ARAP deveria ser transformada urgente em “Agência Aceleradora dos Recursos Públicos” (AARP). Deveria também fiscalizar e mapear dinheiro não utilizado e propor recomendações e acções para sua rápida execução. Porque com a arquitetura e lógica regulatória vigente não chegaremos lá. Eu sei que o modelo não foi desenhado por nós. Mas já é tempo de um outro. Primeiro buraco.

b) Comparticipação com fundos próprios em financiamentos por crédito

Num País sem tradição de “poupanças” pessoais e familiares, em que a maioria vive mês a mês, salário a salário, o dever de “comparticipação” nos créditos é o segundo buraco. A maioria não consegue comparticipar os 20% a 30% de 1000 contos a 5000 contos, nem 1 a 5 milhões de USD. É verdade que estão a ser implementados esforços para implementação de garantias parciais mas, mesmo assim, ficam a faltar ainda os 50%. A pedagogia e a lógica da co-responsabilidade é justa e mais do que boa. Mas num País que não estava preparado, transforma-se num buraco momentâneo. Talvez pensemos em regulamentar e incentivar melhor, através de lei e fiscalidade, a poupança interna. Com a mesma lógica e agressividade que usamos para atrair investimento externo. A Alemanha é um dos Países do mundo onde os indivíduos e famílias mais poupam (10% salário) e, por isso, sempre que a Europa vai à falência, são eles a emprestar aos outros, via bancos, EU e re-seguros. “Cada família alemã possui em média 94.300 euros de património e 39.600 euros de dívida. A poupança individual é tradicionalmente utilizada para cobrir períodos de vacas magras”.

c) Burocracia

Cabo Verde já ganhou prémios internacionais por ter criado produtos inovadores de simplificação administrativa, como Empresa no Dia, Casa do Cidadão e afins. Como diria o próprio VPM, é só “adaptar” e alargar. Na época dos aplicativos informáticos, da simplificação administrativa e do e-governance, a burocracia em Cabo Verde ainda é um monstro. Impede a execuções de milhões em tempo útil. Terceiro buraco.

d) Parcerias

Na nossa cultura (sub ou meio) desenvolvida ainda, servir os outros, acelerar o sucesso de outrem ainda é um problema difícil de resolver. Preferimos congelar recursos, retardar ou tentar desmoralizar do que acelerar, partilhar, unir forças e amplificar o impacto. Os altos dirigentes e intermédios deveriam ser submetidos a um teste de “colaborativo” no momento do recrutamento. Baixa propensão para colaborar e servir os outros deveria ser eliminatório. Contratos-Programa com objectivos bem definidos, delegações de competências e meios, deveriam ser feitas com mais clareza e intensidade com o setor privado e sociedade civil. Afinal os objetivos nacionais são os mesmos, tanto para o setor público como o privado. A Nação é uma só. A macrocefalia do Estado é uma doença institucional que não deve continuar a ter lugar no sec. XXI. Quarto buraco.

e) Execução

Transitar dos Planos, programas, protocolos, memorandos para a realização é ainda uma cultura de poucos em Cabo Verde. A moda do “make it happen” (fazer acontecer) ainda não contagiou a nossa cultura e tradição. Precisamos acelerar e intensificar a cultura dos “engenheiros” sobre a cultura dos juristas, politólogos, sociólogos e antropólogos, sem desprestígio por todas as profissões. Mas é preciso colocar a profissão certa no lugar certo. Uns pesquisam, outros filosofam e escrevem, outros realizam, e alguns detém estas várias habilidades num só RH (multitask). Quinto buraco.

f) Competição

O síndrome da competição tem desenvolvido uma tendência prática e perversa de não promoção de lideranças efectivas. Líderes no poder, tanto no sector público como no privado, sentem-se mais confortáveis com equipas em “mono-liderança”. O espírito de competição e de excelência deveria inspirar-nos a ser mais e melhores, a reunir mais forças e motivação juntas. “Upgrade”, competir para cima e não para baixo! Pois, sabe-se da teoria e prática organizacional que um líder de hoje é um “líder” entre líderes, por consentimento e autorização temporária da maioria. Sexto buraco.

g) Bancos

Os bancos comerciais tal qual os conhecemos durante séculos, tendem a entrar em profunda crise de modelo de negócio. Em certos Países e continentes a taxa de juros já é 0% ou menos 0%. Ter uma alta estrutura de salários, edifícios e procedimentos e não dar crédito será o fim do negócio. Os bancos não escapam portanto a essa nova “crise” de modelo administrativo e de gestão que vivemos. Sétimo buraco.

Por estes dias, o Papa Francisco, está a organizar para 2020 um Seminário mundial intitulado “A Economia de Francisco”. Ele convida os jovens a pensarem uma nova economia. Tomemos o desafio.