A carta e o baralho

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Alguns amigos meus têm suscitado a minha posição relativa a uma tese publicitada e segundo a qual um Embaixador que reside fora de Cabo Verde há mais de 3 anos não pode candidatar-se ao cargo de Presidente da República, por força da restrição estabelecida na al. e) do artigo 360º do Código Eleitoral (CE).

Não quis publicamente me pronunciar sobre essa matéria, pois corria o risco de se dizer logo, pronto, já se vê que ele pensa candidatar-se, pela preocupação; não fosse, ficava calado, porque lhe era indiferente. Decidi, pois, manietar-me em todos os sentidos, feito homem de pedra nesta matéria… porém, sendo jurista vi-me atormentado pela circunstância de deixar uma tese de direito fazer percurso, sem que ela tenha qualquer suporte legal credível. A ignorância a passear com ares de rainha, incomoda-me seriamente.

Peço, pois, perdão pelo facto de ter deixado que o jurista que em mim existe se tenha sobreposto ao bom senso que recomendava o meu silêncio. E que cada um continue a pensar o que quiser sobre a minha posição, se não tiver nada mais interessante para fazer. Nós juristas costumamos dizer que existe uma grande diferença entre saber ler e saber interpretar. Ler corretamente uma norma está mais ou menos ao alcance de todo e qualquer alfabetizado, interpretá-la de forma correta só está ao alcance do jurista.

Um jurista, logo diria: mas a norma do CE não tem como pressuposto o desfasamento da realidade cabo-verdiana que é suposto existir na residência no estrangeiro? Se assim é, como pode o representante de Cabo Verde no estrangeiro estar desfasado da realidade que ele é obrigado a representar? Ele mais do que qualquer outro cidadão é compelido a conhecer mais e melhor o seu país! Este é o raciocínio do jurista e ele nem sentiria a necessidade de fazer uso do nº 2 do artigo 100º do Estatuto do Funcionário Diplomático (aprovado pelo DL nº 36/2015, de 12 de Junho): “o funcionário diplomático em serviço no estrangeiro tem o seu domicílio legal na cidade da Praia, não podendo, em nenhuma circunstância, ser prejudicado pelo facto de se encontrar fora do país em serviço do Estado”.



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