A emigração cabo-verdiana e as contradições do PAICV

A questão da Emigração que vem sendo incessantemente repetida pelo PAICV nos últimos tempos, a vários níveis, na Rádio, na Televisão, no Parlamento, e noutros Fóruns, é na verdade uma não-questão, ou, então, uma questão vista, propositadamente, de forma enviesada. Cabo Verde é, e sempre foi, um País de Emigração. E quanto a isso, não há voltas a dar!

Portanto, só podemos entender a insistência nessa questão como arma de arremesso político, para render algum dividendo, ou como manobra de diversão, por necessidade de assunto para preenchimento da agenda política.

Isto porque:

  • O fenómeno emigração faz parte indissociável da história de Cabo Verde, e é tão antiga quanto a história do povo destas ilhas. Emigração interna (de uma ilha para outra) e emigração externa (para outras latitudes).
  • A emigração cabo-verdiana não só direcionou e moldou a vida dos cabo-verdianos ao longo dos tempos, como faz parte de todas as dinâmicas sociais que tiveram e continuam a ter lugar neste solo, desde os primórdios da formação da sociedade cabo-verdiana.

Devido a localização estratégica de Cabo Verde a meio do Atlântico, em plena rota do cruzamento entre a Europa, a África e as Américas, o seu povo desde muito cedo teve contacto com pessoas e culturas diversas, de todas as latitudes, e esse contacto acentuou-se com a instalação, pelos Britânicos, do entreposto carvoeiro no Porto Grande do Mindelo (em 1838), para abastecimento à navegação.

Manuel Lopes (1959:11) dizia que, ‘’À volta do Porto gira uma multidão ansiosa de partir; habituados a ver os barcos em contínuo vaivém, há nas ‘gentes do Mindelo’ uma saudade das terras que não conhece’’.

Numa breve resenha, diríamos que a emigração cabo-verdiana para o exterior teve início ainda antes de 1750, quando os cabo-verdianos começaram a ser contratados para tripular navios americanos da pesca da baleia, o que mais tarde veio a dar origem à primeira comunidade cabo-verdiana em solo americano.

No início do sec. XX, ainda na segunda década dos anos de 1900, e com as medidas restritivas e impeditivas de entrada de imigrantes nos EUA (leis de 1919, 1924 e 1928), a emigração cabo-verdiana redirecionou-se para outros destinos como sendo o Brasil e a Argentina, na América Latina.

A emigração para a Europa teve início após a II Guerra Mundial (década de 1950) para países como a Holanda, a França, a Bélgica, a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Alemanha, a Suíça, a Itália, o Luxemburgo, em que muitos países da Europa Ocidental precisavam de mão-de-obra massiva e barata para a reconstrução daquilo que a guerra tinha deixado em destroços. E os cabo-verdianos viram nisso uma grande oportunidade de saída.

A emigração para Portugal aparece igualmente nessa altura, num quadro de mão-de-obra de substituição, para colmatar as vagas deixadas pelos portugueses que também deixavam o seu país para trabalhar em países como a Espanha, a Alemanha, a França e outros países europeus que lhes ofereciam melhores condições e garantias socioeconómicas e laborais.

A emigração para a África também começou no início do sec. XX, com o Senegal a liderar como país de destino. Nas décadas de 1930 e 1940 surgiu a emigração (forçada) para Angola e Moçambique, e em 1960 S. Tomé e Príncipe. Já na década de 1960 surgiu uma nova vaga de emigração para Angola (emigração espontânea), com outras consequências depois de 25 de abril de 1974.

Na literatura cabo-verdiana esse fenómeno da emigração deu origem à uma corrente literária, conhecida por ‘’evasionismo’’, ‘’o querer partir, mas ter de ficar’’, tal como referido por escritores como Jorge Barbosa, Manuel Lopes, entre outros.

Emigrar passou a fazer parte do sonho de todo o cabo-verdiano, o sonho de querer partir, de conhecer outras terras e outras gentes, de querer trabalhar lá fora. Esse sonho só passou a ser limitado a partir de 1975, quando, com o regime de partido único, o PAICV resolveu introduzir a famigerada autorização de saída, sem a qual ninguém podia deixar Cabo Verde. E os emigrantes não eram reconhecidos como cabo-verdianos de pleno direito, e nem podiam votar em Cabo Verde. Foram anos de verdadeira tortura, só interrompida com o 13 de Janeiro de 1991 que trouxe Liberdade e Democracia para esses dez grãozinhos de terra.

Hoje os cabo-verdianos são livres de sair de Cabo Verde, de ir e vir como bem entenderem, sem restrições nem limitações políticas ou partidárias. E a narrativa de que Cabo Verde está a perder população por falta de políticas do Governo é uma narrativa extremamente falaciosa e pouco séria. As pessoas estão a sair de Cabo Verde porque voltaram a ser livres e há condições para isso:

  • Há mais bolsas de estudo para os jovens irem estudar no exterior, e só em 2022 foram concedidos mais de 4000 vistos para jovens;
  • Jovens formados são convidados a trabalhar noutros países ou pela sua capacidade e qualidade do seu curriculum, ou porque fazem concursos internacionais e são selecionados;
  • Jovens formados nas nossas universidades já foram convidados a trabalhar noutros países, especialmente na área das tecnologias. Qualidade da nossa educação;
  • Profissionais qualificados estão a receber contrato de trabalho para empresas em Portugal (na área dos transportes, na restauração ou outras), com cobertura de saúde e todos os direitos garantidos;
  • O reagrupamento familiar ficou mais facilitado;
  • As pessoas têm mais condições para ir de férias ou estadias de curta duração, porque têm liberdade para isso;
  • O acordo de mobilidade entre os Países da CPLP e a parceria especial com a União Europeia, conseguida por este Governo do MPD, veio facilitar a saída das pessoas, jovens e menos jovens.

Nas suas contradições,

  • Temos hoje um PAICV que finge gostar e defender os emigrantes, mas que na verdade nunca gostou dos emigrantes (os estrangeirados);
  • Temos um PAICV que é contra a saída de jovens para fora do país, mas que se insurge quando um dos seus não consegue o Visto para sair do país;
  • Temos um PAICV que clama por oportunidades e empregos para jovens, mas não quer que os jovens aproveitem as oportunidades de emprego e ascensão profissional que lhes são concedidas lá fora;
  • Temos um PAICV contra a Emigração, mas que aplaude a contribuição dos emigrantes no desenvolvimento dos seus municípios;
  • Temos um PAICV que tanto quis um acordo de parceria especial com a União Europeia (mas não conseguiu), e agora insurge-se contra a saída das pessoas do seu país;
  • Temos um PAICV que se arvora em grandes defensores dos direitos dos emigrantes, mas que na verdade só está a defender os seus próprios interesses político-partidários.

Meus Senhores, decidam-se e orientem-se.

Os jovens cabo-verdianos não estão a fugir do seu país, nem estão ‘’desesperados’’, conforme quer fazer passar o PAICV. Querem sair, ir à procura de um sonho, de outras oportunidades, de conhecer outras terras e outras gentes. E de certeza que esses jovens não estarão lá em casa a bater palmas ao PAICV que lhes quer quebrar as asas, quartar o alcance do seu voo.

O PAICV sabe tudo isso. Conhece tudo isso. No entanto, finge não entender, finge não ver, não ouvir. Assim, fica difícil ser considerado uma Oposição credível.

4 COMENTÁRIOS

  1. Com um pouco de ciência e grande poder de argumentação, a Doutora Trigueiros, reduziu às cinzas os seus deputados do paicv. Na verdade, é assim: com o jornal ‘Nação’ sózinho para ladrar, no modo mono, o paicv é mestre. Bastou contudo , um pouco de ciência para paicv virar pó. Abraão Vicente provou ontem no parlamento quando reduziu o deputado do paicv por SV a sua insignificância. Deu pena! Na verdade, este paicv só existe no papel e com a ajuda do seu garoto-propaganda o Daniel Almeida. Até quando vai durar a parceria paicv/Daniel Almeida, eis a pergunta que ninguém sabe responder ao certo. Tudo depende de quanto o paicb esteja disposto para remunerar as inverdades, meias verdades, não verdades e as mentirinhas do Daniel. O paicv faz política no jornal e o seu garoto-propaganda é o Daniel Almeida.

  2. Caríssima Doutora, parabéns pelo belíssimo texto. Vi que o seu texto fez acordar o “gabinete de ódio” do paicv e seus apaniguados. Até o Manuel Rosa, agora é especialista em emigração, só para veres o quão mal anda o paicv. Recrutar ex embaixador mais preguiçoso e com menor desempenho entre os diplomatas de CV, para apoiar o partido nas suas mentiras, é sinal de que, tudo o que o MpD deve fazer é manter-se focado na resolução dos problemas do quotidiano e ganhar as eleições municipais com a maioria das câmaras e projetar a maioria absoluta em 2026.

  3. A Emigração sempre fez parte da realidade do Cabo-verdiano, no sentido de procurar uma “vida melhor”. No entanto hoje em dia o jovem cabo-verdiano emigra para procurar “vida”, pois o melhor há de vir com o tempo.
    Se o nosso Governo vê como um “ataque do PAICV” a chamada de atenção dessa problemática, é nítido que o Governo está niglegenciando o que está movendo os jovens a abandonar Cabo Verde.
    A resilência que o jovem cabo-verdiano desenvolveu ao longo dos anos é fruto da luta diária pela procura de uma vida digna . O jovem cabo-verdiano quer pagar contas, quer comer e quer poder projetar um futuro assim como os nossos pais podiam. Hoje em dia o máximo do futuro que podemos sonhar é o do amanhã, porque mais do que isso não nos é permitido.

  4. Este PAICV está a ser uma desilusão em todas as frentes. Pega em tudo e sem nada para convencer e foi assim desde 2016. A questão de emigração é mais uma bola de neve que engrossa a lista de entendimento dos Cabo-verdianos, em como este partido não está em condições de constituir alternativas de governação. Muita pena. Relativamente a esta questão concretamente, dou um exemplo com a minha pessoa. Desde 1986 sonhei em emigrar não com o objetivo de enriquecer (ter casa, caro e uma conta bancária gorda) mas sim para ter oportunidade de aprender a língua inglesa. Por isso, o meu sonho era emigrar para a Inglaterra onde para mim, era muito mais fácil de aprender inglês. Infelizmente, nessa altura Inglaterra era um país muito fechado à emigração do meu ponto de vista. O meu sonho ficou gorado em relação ao Reino da sua Majestade. Mudei o foco para os EUA (Estados Unidos de América) onde tenho vários familiares e amigos desde da década de 70. Em pleno expediente (tratar dos papeis) para emigrar para os EUA, eis que um belo dia, na casa do meu irmão, ouvi uma conversa entre o meu irmão e um amigo dele que tinha acabado de regressar dos EUA, onde o meu irmão perguntou para o seu amigo, como é que deixou os seus patriotas nas terras de Tio Sam. Este respondeu com muita pena, dizendo que muitos deles estavam a dormir na rua e que estavam a levar um vida bastante durra. Essa conversa que escutei, levou a ponderar seriamente se valeria apena abandonar o meu trabalho, sim porque eu já era funcionário público nessa altura, para aventurar-me. Pensei muito e cheguei a conclusão que se calhar, não vale a pena. Até os dias de hoje ainda, nunca cheguei perto de embaixada nenhuma para solicitar vistos, que seja para ir passar férias em lugar nenhum. No entretanto, conheço pessoas muito bem empregadas que abandonaram o país na década de 80 e foram aventurar no estrangeiro. Isso tudo para dizer que o PAICV está a enrolar-se no seu próprio rabo, com falta de alternativas politicas para debater com o MpD e o governo nesta questão de saída de Cabo-verdianos do país. O PAICV está a esquecer de um pormenor muito interessante, que é o acordo de mobilidade que Cabo Verde Assinou com a União Europeia, que facilita de que maneira aos jovens saírem do país. É uma pena ver o maior partido de oposição que já governou este país por 30 anos, a laborar nesses erros. Mas é claro que a saída dos jovens do país preocupa o PAICV, porque irá contribuir para a diminuição do desemprego, da insegurança e irá contribuir com o aumento do PIB, através das remessas que esses jovens de certeza, quando triunfarem nos seus países de acolhimento, enviarão para os seus familiares, contribuindo dessa forma, para redução da pobreza do país. Essas são as únicos motivos para que o PAICV esteja contra a emigração.

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