“Toda a sociedade que pretende assegurar a liberdade aos homens deve começar por garantir-lhes a existência” – Léon Blum
Nas sociedades modernas em que vivemos, os Estados assumem, promovem e incentivam a participação das organizações da sociedade civil, quer na implementação das políticas públicas, enquanto parceiros e parte interessada no processo de desenvolvimento, quer como movimentos sociais que procuram influenciar ou escrutinar os poderes públicos e o seu exercício.
Os Estados modernos ganharam consciência que, abrindo espaço para a participação da sociedade, estariam também a criar condições para a emergência de um melhor Estado.
Mas para que as organizações da sociedade civil sejam realmente parceiras precisam ser reais, credíveis e com capacidade para conceber, planear, gerir e implementar projetos, programas e atividades, cujo impacto possa ser visível e mesurável ou de ter uma massa crítica credível, comprometida com o destino coletivo e interessada na gestão da coisa pública.
Como facilmente se poderá perceber, estamos a falar de dois tipos de organização da sociedade civil, com formas de participação diversa. Por um lado, a que quer ser parceira e participa na implementação de políticas públicas, e, por outro, a que pretende influenciar as políticas públicas, controlando os excessos ou desvios do poder ou, ainda, posicionando-se na defesa dos interesses nacionais, regionais ou locais ou, ainda, nos interesses gerais difusos.
Comummente se chama de ONG’s, as organizações de sociedade civil que se preocupam em ser parceiros dos governos na implementação de políticas públicas. E, em regra, concentram o seu foco no chamado núcleo de serviços não exclusivos do Estado em que os governos estabelecem as balizas para as intervenções das ONG’s, considerando relevantes entre outras, a transferência dos serviços não-exclusivos; a promoção da autonomia e flexibilidade na prestação dos serviços; a participação da sociedade ou comunidade, mediante o controlo dos serviços, com centralidade na figura do cidadão-cliente; e o desenvolvimento da parceria entre Estado e a sociedade civil, através da figura de contrato de gestão ou programa.
Ao lado das ONG, estão os chamados movimentos sociais que são as organizações da sociedade civil que têm preocupações mais na esfera de direitos, e que tentam influenciar as decisões ou de apresentar soluções alternativas as dos governos.
Os movimentos sociais, como as de natureza ecológica e ambiental, de direitos humanos, de trabalhadores, de empresários, de religiosos, de cidadania e de participação em processos decisórios, de transparência, de consumidores, procuram ter a palavra e a voz nas iniciativas e decisões de interesse coletivo que são tomadas, em regra, pelos governos.
No fundo, as duas formas de atuação das organizações da sociedade civil são complementares e compatíveis, e onde elas existam e convivam, revelam, geralmente, o grau de dinamismo da sociedade civil desse país.
Contudo, a ideia de uma sociedade civil participante pressupõe a existência de uma cidadania ativa ou de uma nova cidadania. E um dos elementos constitutivos fundamentais dessa conceção de cidadania centra-se na noção de direitos, e mais precisamente do direito a ter direitos.
A nova cidadania requer sujeitos sociais ativos, definindo o que consideram ser seus direitos e lutando para seu reconhecimento, enquanto tais. Aliás, essa nova abordagem vai para além da luta pela inclusão no sistema, ela reivindica a participação na própria definição do sistema, e busca ultrapassar os limites das relações entre o indivíduo e o Estado.
Por isso, em muitas latitudes adotaram a estratégia de criação de um ambiente mais favorável à existência e à participação das organizações da sociedade civil, no quadro da dimensão normativa e a do conhecimento. A estratégia foi não se restringir a mera elaboração de uma lei, mas antes a de desenvolver um conjunto de ações, compreendendo uma agenda abrangente.
A criação de um quadro institucional, que permita um relacionamento previsível, transparente e pautado por regras, é fundamental e comportam, pelo menos, 3 eixos: o de Contratualização, o de Sustentabilidade e o de Certificação.
No eixo Contratualização, concentram-se as relações de parceria com as organizações da sociedade civil, sua forma de planeamento e seleção, as regras para a execução das ações e dos recursos, seguimento, avaliação, transparência e prestação de contas, com o objetivo de desenvolver práticas de gestão pública que reconheçam as especificidades das entidades privadas, sem fins lucrativos, no acesso e na utilização de recursos públicos.
No eixo Sustentabilidade, centralizam-se as questões relacionadas à economia das ONG’s, fontes de recursos e diversificação de tipos societários.
Finalmente, no eixo Certificação, as discussões orientam-se sobre o aprimoramento dos sistemas de certificação e acreditação concedidas às organizações da sociedade civil pelo Estado ou por quem o Estado delegar.
Quando os Estados assumem, por um lado, que a implementação das políticas públicas não é da sua exclusiva responsabilidade, e que, por outro, quer ter parceiros para concretizar esse objetivo, geralmente fazem o óbvio: determinam as áreas de colaboração e criam o quadro institucional e as regras do jogo para que o relacionamento se desenvolvam de forma saudável.
Em Cabo Verde, as organizações da sociedade civil se encontram numa fase de transição entre autonomia organizativo e decisional e a dependência do jogo político e partidário.
Essa situação não decorre de nenhuma decisão de qualquer poder ou de deliberação de qualquer entidade, ela é resultado de um caldo de cultura existente e que perdura, fruto de vicissitudes históricas, politicas e culturais, e com o qual urge romper.
Um dos grandes problemas da sociedade cabo-verdiana, e consequentemente das organizações da sociedade civil, é a excessiva dependência dos cidadãos em relação ao Estado e aos partidos políticos. O exercício da cidadania plena é altamente condicionado pela relação que se tem, ou não, com o poder.
Boa parte das organizações da sociedade civil é infiltrada por militantes ou dirigentes partidários que, num quadro não transparente, mobilizam meios e recursos para realizarem algumas tarefas comunitárias e, simultaneamente, condicionarem a liberdade e a vontade de segmentos da população beneficiária. Muitas vezes, temos pessoas em órgãos políticos (municipal ou nacional) que ora estão com um pé na sociedade política e ora estão com o outro na sociedade civil, criando uma situação de promiscuidade e deturpando o espírito e o sentido do que seja organizações da sociedade civil.
Não é possível o desenvolvimento de uma cidadania ativa ou da chamada nova cidadania, sem que o indivíduo se sinta livre, podendo exprimir o seu pensamento, sem nenhum condicionamento e sem receio de ser perseguido ou prejudicado de qualquer forma.
Um outro grande problema, tem a ver com a imprensa que está longe de ser uma formadora da opinião pública, nem tão pouco consegue ser uma expressão consistente da opinião publicada. Faltam criatividade e ousadia; faltam um jornalismo de rua e não de gabinetes ou salão; faltam um jornalismo que vá para além do que é dito, visto ou relatado. Apesar de todo avanço registado, em vários domínios, a comunicação social cabo-verdiana continua, ainda, refém dos reflexos e condicionantes imaginários, herdados do sistema de partido único.
Não há, nem democracia e nem uma opinião pública crítica e informada, sem uma imprensa viva, pró-ativa e comprometida com os valores fundamentais do Estado de Direito Democrático.
A imprensa cabo-verdiana, enquanto um dos alicerces fundamentais da democracia, foi, talvez, o setor que menos evoluiu, do ponto de vista cultural e funcional, com a instauração da democracia no país.
Um terceiro grande constrangimento se reporta ao fraco desenvolvimento do setor privado e, bem como, a necessidade de transformação das universidades em instrumentos de produção da massa crítica. Um setor privado forte para evitar que o Estado seja o grande empregador ou o grande controlador do mercado de trabalho, por um lado, a existência de universidades geradoras do saber e do saber fazer, no quadro de uma interação com a realidade social e económica, por outro. Este seria e será o caminho a ser seguido e valorizado, isso se existir uma real vontade em se ter uma sociedade civil vigorosa e atuante.
Para isso, o Estado terá de criar uma arquitetura institucional que atenda a natureza multissectorial das organizações da sociedades civil, opção que lhes conferiria o estatuto de parceiros, e não confinar as organizações da sociedade civil, numa visão reducionista, a meros auxiliares das políticas sociais, senão assistencialista, dos governos.
Com um quadro institucional definido e as regras claramente estabelecidas, deixaria de haver competição entre as instituições públicas e as organizações da sociedade civil, e essa estratégia atenuaria, e em muito, as relações de ciúmes que algumas entidades públicas exibem em relação às organizações da sociedade civil.