A procura de consenso em democracia

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A existência de um espaço público para a discussão é, inequivocamente, uma das grandes invenções da democracia. Neste espaço, confrontam-se correntes de opiniões mais ou menos organizadas em partidos políticos. Este confronto põe em jogo a articulação entre consenso e conflito. Estas duas noções, longe de se oporem, supõem-se complementares.

Seguindo os ensinamentos de Paul Ricoeur, uma democracia não é um regime político sem conflitos, mas um regime no qual os conflitos são abertos e, além disso, negociáveis. Eliminar os conflitos em democracia, é, pois, uma ideia quimérica. Numa sociedade cada vez mais complexa, os conflitos não diminuem nem em número nem em gravidade, antes se multiplicam e aprofundam. O essencial é que eles se exprimam publicamente e que existam regras para os negociar. É assim que o conflito apela ao consenso, tanto quanto o consenso torna possível a negociação.

Todo este enquadramento visa comentar um pouco ao que foi dito no Programa “EmDebate” ocorrido recentemente na TCV (Televisão Pública de Cabo Verde) em que um dos elementos do painel teria criticado e imputado responsabilidade ao Governo pelo facto de não se terem chegado ao consenso quanto à nomeação dos órgãos externos ao Parlamento por um lado e, por outro, criticando igualmente o bipartidarismo existente em Cabo Verde que, do nosso ponto de vista, tem funcionado razoavelmente bem. Poderia, sim, imputar responsabilidades aos dois partidos do arco do poder e não ao Governo! As lideranças partidárias têm, pois, um papel crucial nesta matéria e, em última instância, é preciso que os deputados de ambas as bancadas votem as propostas!

Uma democracia, mais do que um regime de acordos, é um sistema cujo objetivo é conseguir conviver em condições de profundo e persistente desacordo. Radicalizar a crítica e a oposição são procedimentos a que mais se recorrem para dar nas vistas, uma exigência imperiosa nesse combate pela atenção que é travado nas nossas sociedades. Como dizia Innerarity, “é verdade que sem o antagonismo e dissensão, as democracias seriam mais pobres, mas isso não constitui uma prova a favor de toda a discrepância e nem prestigia o opositor”. A política serve, nada mais nada menos, para conciliar interesses naturalmente divergentes.

Com efeito, a maioria não tem necessariamente razão, como é óbvio, o mesmo se aplica a quem se opõe por princípio. Isto explicaria a tendência dos políticos para exagerarem, para enfatizarem o polémico até extremos e por vezes grotescos ou pouco verosímeis.

Nestes termos, convém não banalizar esta questão, porque os acordos não são fáceis e exigem sacrifícios de todas as partes! A dificuldade de chegar a acordo provém do facto do mesmo implicar cedências e, em muitas ocasiões, exigir também o sacrifício de algum tipo de princípio e deve ser levado em conta que em política, regra geral, nenhuma delas está isenta de inconvenientes. Portanto, uma boa política não exige que se dê satisfação aos interesses de todos, mas não se pode deixar de tê-lo tentado.

Relativamente ao bipartidarismo existente em Cabo Verde, convém dizer que até o momento vem respondendo aos principais desafios que a nossa democracia vem colocando. Os sistemas bipartidários não colocam qualquer problema salvo o devido respeito, na medida em que a sua configuração de poder é evidente: dois partidos competem por uma maioria absoluta que está ao alcance de ambos (por exemplo, entre o MpD e o PAICV), e garantem a estabilidade política. A este nível, as coisas funcionam relativamente bem em Cabo Verde.

Os sistemas bipartidários são até o momento a categoria mais conhecida. Isto é devido ao facto de serem sistemas relativamente simples, porque os países que apresentam o bipartidarismo são importantes e porque representam um caso paradigmático.

Convém referir que cada especialista produz uma lista diferente com o número de países que apresentam esta configuração. Contudo, é lugar-comum considerar, em geral, a Inglaterra, Os Estados Unidos, a Nova Zelândia, a Austrália e o Canadá como sistemas bipartidários “clássicos”. Funcionam ou não?

Aqui chegado, pergunta-se: Quando é que temos um sistema bipartidário? Podemos argumentar com Giovanni Sartori o seguinte: Temos um formato bipartidário sempre que a existência de terceiros partidos não impeça os dois principais partidos de governar sozinhos.

Quais são as propriedades que caracterizam os sistemas bipartidários? É a governação de um só partido, mas não ilimitadamente. O que equivale a dizer que a alternância no poder é a marca distintiva da mecânica característica do bipartidarismo.