Amílcar Cabral não é pai da nacionalidade cabo-verdiana

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A nacionalidade de um povo é um valor existential por inteiro e engloba a sua história completa. Constitui um sacrilégio considerar-se ou classificar-se Amílcar Cabral o pai da NACIONALIDADE do povo de Cabo Verde! Isso foi a maior falsidade histórica cometida pelos ditos seguidores de Cabral.

Pessoas que conviveram com Cabral de perto, mas que depois da sua morte nunca precisaram de aproveitar da imagem de Amílcar Cabral para fins de aproveitamento político, são categóricos em afirmar que Amílcar Cabral nunca aceitaria tal incongruência sobre a sua pessoa. Ou seja, essas pessoas admitem que a formação do Amílcar, a sua bagagem cultural, a sua forma de visionar a história, nunca o permitiria de fazer uma confusão do género. E essas pessoas concluem: isto só podia vir de pessoas, antigos companheiros, que, por alguns motivos, tiveram a necessidade de usar a imagem de Amílcar, concretamente para fins políticos bem conhecidos. E a esse respeito elas acrescentam: essa foi a segunda traição que cometeram contra o Amílcar Cabral. Fizeram isso porque sabem que o Amílcar já não está cá para se defender… Foi tão somente um expediente desprovido de um rigor escrupuloso, um uso abusivo da imagem de uma figura que sempre pregou humildade e, em muitas ocasiões, foi contra os excessos e aproveitamentos pessoais da luta na Guiné-Bissau. E por isso e outros motivos foi barbaramente assassinado em 1973. A mencionada classificação foi , sem dúvida, obra tosca e com pouca graça por parte dos cabo-verdianos que estiveram na luta na Guiné-Bissau. E tiveram a necessidade de fazer essa errónea proclamação, utilizando a imagem e a memória de Amílcar Cabral, e tal foi cozinhado algum tempo após a independência de Cabo Verde. E segundo a interpretação de algumas pessoas, esse expediente começou a surgir em Cabo Verde quando começaram a surgir algumas dificuldades políticas, contradições e alguns embaraços do regime do partido único. E foi a partir desse momento, que tiveram a necessidade de criar programadas de manipulação, incluindo nos sistemas de ensino e na Comunicação Social do Estado de reforço de intoxicação política e com foco em acções de culto de personalidade, usando a imagem e a figura já falecida de Amílcar Cabral.

É do conhecimento dos historiadores, dos homens da cultura, dos intelectuais, e também do conhecimento público, a forma como se processam os fundamentos ou a fundação histórica da nacionalidade de um povo. Enciclopédias sobre este assunto abunda e de que maneira. No caso caboverdeano , os estudiosos e o público em geral sabem e conhecem a história deste povo, a formação da sua nacionalidade, cultura e história, as quais forjaram-se de um intrincado e complexo processo de mais de cinco séculos, com a formatação e tempero cultural deste povo, da sua história, dos seus hábitos e costumes, da sua tradição, da religião, das crenças, da colonização e das resistências, da educação, das revoltas, dos efeitos da fome, da construção e trajetória de um povo que originariamente não existiu, mas que se auto-forjou e gerou de cruzamento de várias raças, e como resultado deste cruzamento se formou um povo mestiço, essencialmente mulato, crioulo, musical, alegre, com uma língua própria, e com uma psicologia própria, específica e originária, desenhada com uma cultura de resiliência desenvolvida e imbuída de muita fé e esperança, tolerante, condimentos esses que o ajudou a enfrentar todas as agruras da natureza, nomeadamente as duras secas e as maldades dos homens que queriam acorrentar-lhe.

Num outro ângulo e com outra dimensão, é de se destacar aqui o factor e o papel da emigração, com a sua história completa, com toda a sua inovação, recursos e ajuda, ela foi de facto um dos elementos mais formatador e de cariz determinante na constituição e fundação existencial e cultural do povo de Cabo Verde.

A influência resultante dos efeitos da emigração na cultura e na formatação da essência do homem caboverdeano é uma matéria ainda com pouco estudo, mas, apesar de ela se ter começado, penso eu, a partir do século XVIII, ela veio a marcar, em grande modo, o perfil e a vida do caboverdeano.

A emigração ajudou a acelerar tudo em Cabo Verde. O perfil e a vida do caboverdeano, e, por conseguinte, o temperamento do crioulo das ilhas. Um outro factor catalisador do temperamento dos ilhéus de Cabo Verde seria a realidade circundante sobre a qual o povo de Cabo Verde se fez povo. As ilhas e a psicologia de ilhéus. A influência do mar! O mar longe e o mar aqui bem perto! O mar vizinho e o mar longínquo, que ajudou muito, mas que também acabou por provocar mar de lágrimas e saudades! E igualmente faz parte da nacionalidade e da essência deste povo a forma como ele se resistiu à dominação estrangeira e o modo como ele se resistiu à falta de liberdade e democracia, que ficaram de chegar com a independência em 1975.

Mais tarde, o mesmo povo implantou e construiu um novo regime de vida, de liberdade e democracia, considerado e avaliado como o primeiro e melhor de África. Perante este quadro de mais de 5 séculos, com o tempo e a inteligência genuína do povo destas ilhas , ainda há gente que tem a coragem de se proclamar que Amílcar Cabral é fundador da Nacionalidade do POVO DE CABO ? Por mais que a luta de Amílcar Cabral tenha empurrado a saída do sistema colonial deste país, Cabo Verde, conduzida embora com inteligência, com sacrifícios, mas também com várias contradições, histórias não contadas e erros graves conhecidos, nunca essa luta, essa curta obra pelo período, comparada com a obra secular do povo das ilhas, pelo seu pouco tempo e pela sua incidência limitada à política, chegaria alguma vez a se erigir e ser considerada pai da nacionalidade de um povo com cinco séculos de luta, de séculos de muita labuta e de resistência e de construção da sua própria nacionalidade. Isto é uma história de um povo inteiro e com mais de 5 séculos de história. Por mais bendita que foi a obra de Amílcar Cabral, com efeitos sobretudo mais para a GUINÉ-BISSAU, do que para Cabo Verde, onde o Paigc antes da independência não era conhecido, ela é muito pouco para se criar, fundar uma Nação, e se construir uma nacionalidade de cinco séculos. E, por fim, em vez de se estar a criar uma idolatria à volta da imagem de Amílcar Cabral – a qual hoje se vê que se quer levar a patamares mais elevados e preocupantes – os que andaram e andam a abusar da imagem e figura de Cabral, deviam estar preocupados com duas traições históricas e finais que se fez contra Amílcar Cabral: (I) o seu precoce e inexplicável assassinato e a forma cruel e desumana como subtraíram a vida daquele que se veio a intitular com fundador da nacionalidade caboverdeana; ou, quando convinha, o herói do povo da Guiné-Bissau e Cabo Verde! (II) e, em pouco tempo, a destruição completa do partido que ele sim, realmente, fundou – o Paigc. Estas duas questões deverão estar a remoer a alma de Amílcar Cabral, perturbando o seu eterno sossego e paz!



1 COMENTÁRIO

  1. Quem conhece a História de Cabo Verde não pode deixar de subscrever integralmente o artigo do sr. Maika Lobo. É indiscutível a existência da Nação Cabo-verdiana muito antes do início da luta pela independência de Cabo Verde. Nenhum historiador, sociólogo, antropólogo, etc, que se preze, e muito menos um político, ou cientista político, conseguirá provar e demonstrar que Cabo Verde, como Nação, só passou a existir quando foi fundado o PAIGC em 1956, Partido esse que conduziu, com sucesso, a luta pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde. É facto histórico incontestável. Sendo assim, como é que se compreende que alguém pudesse fundar (ou ser pai) de qualquer coisa que já existia antes dele? É um dos mitos que se criou à volta de Amílcar Cabral, tal como o mito que tem sido forjado, segundo o qual o PAICV é o Partido que conquistou a independência de Cabo Verde, como se esse Partido alguma vez existisse antes deste facto histórico. Mas os mitos existem para serem destruídos. O artigo do Sr. Maika Lobo vem fazer precisamente isso.

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