ARC: A Insustentável Leveza de uma Decisão!

2
Aplicar à Arguida Agência de Grafismo e Comunicação, Lda: “Uma coima no valor de 50.000$00 (cinquenta mil escudos), pela inobservância do dever de comprovar a veracidade da informação, recorrendo sempre que possível a diversas fontes e garantindo a pluralidade das versões na notícia … publicada pelo jornal O País no dia 8 de agosto de 2018”

 

Tivemos acesso ao documento da ARC que sanciona a Agência de Grafismo e Comunicação, Lda., por suposta inobservância do estatuído na alínea a) do artigo 6º da Lei da Comunicação Social, e não resistimos a comentar esta estranha e histórica decisão, aliás na esteira da que tinha feito aquando da primeira deliberação, a de 2 de outubro.

Decisão estranha e perigosa, e que transmite uma mensagem errada para a comunidade jornalística e da comunicação social que, curiosamente, assiste de bancada, num silêncio ensurdecedor, o que uma autoridade de regulação, que supostamente deveria ser o garante da liberdade de imprensa, aparece, de forma flagrante, a ameaçá-la.

Para aqueles que andam distraídos ou que acham, à maneira de Bertold Brecht, que isso não lhes diz respeito porque não são “miseráveis”, ficam estes alertas:

Em primeiro lugar, ficam informados os órgãos da comunicação social e os jornalistas que doravante se noticiarem algo, sem citar as fontes de informação, a notícia veiculada, à luz desta decisão, mesmo divulgando fatos verdadeiros, torna-se não objetiva e isenta, e é passível de contraordenação.

Em segundo lugar, a veracidade de uma notícia passa a ser, de acordo com esta decisão, apenas aferida pela audição das partes com interesses atendíveis na matéria, não valendo as fontes independentes ou a investigação jornalística.

A ARC inaugura, pois, uma nova era na produção jornalística no país e um novo entendimento do quadro legal existente que não se conjuga, nem com a liberdade de imprensa nem com a democracia.

Porque condicionar, nos dias de hoje, a divulgação de notícias à audição de partes atendíveis é não perceber que os tempos mudaram; que não vivemos na época de semanários (hoje todos com edição online), quinzenários e mensários onde não havia concorrência ou a preocupação em ser o primeiro a divulgar a notícia; que hoje é o tempo dos online e da comunicação instantânea onde a notícia acontece a cada momento e, ao mesmo tempo, é atualizada a cada minuto.

Os tempos mudaram e o contexto é outro.

Em Cabo Verde, nem poderemos queixar-nos da legislação existente, que fornece um quadro legal moderno que permite o exercício de atividade jornalística com toda a liberdade e responsabilidade.

A legislação existente tipifica claramente as situações passíveis de punição, e, em consequência, não pode haver punições que a lei clara e cristalinamente não autoriza.

Daí termos alguma dificuldade em perceber a sanção aplicada a um jornal ou empresa, por não ter citado as suas fontes de informação, quando a lei não a obriga a isso, embora recomende, que, sempre que possível, isso seja desejável.

Ora, vejamos o que diz e exige a lei, alínea a) do artigo 6º da lei da Comunicação Social: “Comprovar a veracidade da informação a ser prestada, recorrendo, sempre que possível, a diversas fontes e garantindo a pluralidade das versões”.

A lei fala de diversas fontes de informação e não das partes interessadas, e é bom que fixemos isso, pois, mais a frente veremos a rácio da lei neste ponto concreto. Socorrer-se sempre que possível a diversas fontes, significa que se admite que haja ocasião em que tal audição não seja possível: ou porque é desnecessária ou porque o evento é fatual ou porque o jornalista é a própria fonte de notícias.

Interpretar o sentido e o alcance da alínea a) do artigo 6º, sem a conjugar com o artigo 16º da mesma lei da comunicação social, só poderá conduzir a erros elementares na compreensão do que é exigido em termos legais e a sancionar, sem nenhuma base, quem não prevaricou.

O artigo 16º da Lei da Comunicação Social debruça-se sobre a indicação de fontes e segredo das fontes.

Trata-se de um artigo fundamental para se perceber o que a alínea a) do artigo 6º da Lei da Comunicação Social quer que se cumpra e se entenda. Dada a sua relevância, vamos o reproduzir, a seguir, na íntegra.

Diz o articulado:

1. Em toda a informação ou notícia inserida nos órgãos de comunicação social deve ser feita a indicação da sua fonte.

2. Na ausência de indicação entende-se que a fonte é própria.

3. Nenhum meio de comunicação social pode ser coagido ou compelido a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, na ação judicial, ser usado contra ele como presunção de culpa ou agravante.

4. O direito ao sigilo não exclui a responsabilidade civil e penal.

 

Nos parece de uma clareza que cega, que a lei não sanciona quem divulgar notícias e não indicar as fontes.

O que ela estabelece é que quando o órgão ou o jornalista não indicar as fontes de informação, deve-se entender que a fonte é própria.

O nº 2 do artigo 16º não deixa dúvidas: é claríssimo!

Não subsistindo, neste ponto, quaisquer dúvidas, quanto ao sentido exato do “sempre que possível” estabelecido na alínea a) do artigo 6º da Lei da Comunicação Social, caberá a ARC simplesmente arquivar este processo, em nome da legalidade e da liberdade de imprensa.

Assim, de outro modo, face a esta evidência de que a lei não pune quem não indicar as fontes de informação, restaria a ARC verificar se a notícia era verdadeira ou falsa, para ou sancionar ou absolver.

Curioso e estranhamente, é a própria ARC que se auto-limita, enquanto autoridade administrativa com poder sancionatório, quando afirma na decisão que profere, e citamos:

“Importa clarificar que não cabe a esta entidade aferir a verdade fatual ou material do que é mencionado nas notícias, mas é sua responsabilidade assegurar que a informação prestada pelos serviços de comunicação social de natureza editorial se paute por critérios de exigência, imparcialidade, isenção e rigor jornalísticos (Alínea d) do n.º 2 do Artigo 1.º dos Estatutos da ARC)”

 

Ora, se não pode conhecer da verdade dos fatos como poderá julgar e sancionar? Como poderá determinar o grau de culpabilidade e do dolo?

É que o artigo 9º do Regime Geral das Contra-ordenações, que se aplica subsidiariamente ao caso, é claro, quando estabelece que “só é punível o fato praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.

Tendo em consideração o entendimento da ARC de que não lhe cabe tomar conhecimento da verdade ou não verdade que a notícia insira, ela se coloca à revelia da lei e incapaz de analisar provas e condenar com base nos fatos verídicos e provados.

Assim, fica difícil perceber e defender a ARC nas suas decisões.

Este episódio de punição de um jornal, com base e fundamentos não sustentados em lei, deve merecer uma atenção e reflexão por parte dos atores que atuam no setor, pois,
com mais umas cenas e episódios desse tipo, a nossa posição no ranking da liberdade de imprensa vai descer certamente para níveis não desejáveis.

Enfim, esperemos, pois, que o bom senso se prevaleça, e que a ARC cumpra com o seu papel, no respeito estrito pela constituição e pelas leis da república.



2 COMENTÁRIOS

  1. “”Aplicar à Arguida Agência de Grafismo e Comunicação, Lda: “Uma coima no valor de 50.000$00 (cinquenta mil escudos), pela inobservância do dever de comprovar a veracidade da informação, recorrendo sempre que possível a diversas fontes e garantindo a pluralidade das versões na notícia … publicada pelo jornal O País no dia 8 de agosto de 2018””. C’o raios caramba, que coisa é essa, gente demente. Com que então, caberá ao jornal averiguar se uma notícia é verdadeira ou falsa? Vamos admitir uma informação ficcionada…: “há noticias a circular nos meios políticos e não, só, sobretudo nas redes sociais que dão conta que o PM estaria a preparar uma nova remodelação no seu Governo. A acontecer seria, seria a segunda mexida no Executivo de UCS.” Imaginemos que “O País” coloca essa informação entre as suas manchetes. Onde está o crime? Há algum crime nessa informação? Claro que não! Ora bolas, que povo besta. Voltando ao assunto que deu origem a essa barbaridade por parte da ARC. Ora bem, a informação, sequer é inverdade, já que a Electra-Sul já confirmou a veracidade da notícia. Coisa diferente é a prática do acto alegadamente criminoso. Por ser denuncia de um crime público, caberá ao Ministério Público apresentar as evidencias ou provas ao juiz de Direito e não ao jornalista. E é ali que existe a bizzarice da ARC: uma coisa é a veracidade da notícia e essa ninguém contesta, outra bem diferente é a prática de um acto criminoso. Essa última, só ao juiz de Direito cabe julgar, porém, a notícia, essa é verdadeira. Ora bolas. Com que então, a Electra-Sul emite um comunicado dando conta de uma ocorrência alegadamente criminoso, vem a ARC dizer que não, que antes cabe ao jornalista investigar se houve ou não crime? Co raios, bando de comunistas.

  2. Só pergunto, aonde anda a AJOC para defender a liberdade de imprensa? Ou a atividade da AJOC está circuinscrita ao Abrão Vicente?

Comentários estão fechados.