Auditoria pedida pela SATA levantou questões sobre idoneidade da BestFly, um dos membros do único consórcio admitido à privatização da Azores Airlines. Governo dos Açores cancelou venda
A administração da SATA Holding, nos Açores, pediu à consultora Kroll uma auditoria de investigação aos candidatos à privatização da Azores Airlines, para servir de suporte à escolha do comprador de 51% a 85% do capital da companhia dos Açores, mas a investigação aponta indícios de falta de idoneidade do grupo Angolano BestFly, que até recentemente operava em Cabo Verde.
A BestFly com a New Tour integra o único concorrente admitido na privatização, cancelada pelo Governo daquele Arquipélago .
O concurso público para a privatização terminou com apenas um único candidato, o consórcio New Tour/MS Aviation, depois de o júri ter excluído o Atlantic Consortium por a proposta conter “cláusulas condicionadoras da operação”. Mas mesmo o concorrente validado pelo júri suscitou dúvidas, face às questões levantadas num relatório elaborado pela consultoria.
A New Tour, conhecida por ser proprietária da rede de agências de viagens Bestravel ou do operador Soltrópico, é descrita como um grupo que “de uma forma geral goza de boa reputação na indústria do turismo”.
O mesmo não acontece com a BestFly, criada em 2009 por Nuno Pereira, e esposa, Alcinda Pereira, à qual está ligada a MS Aviation, que é detida por Nuno Pereira.
Segundo consta, a BestFly opera uma frota de 27 aviões e reclama uma quota de 80% no mercado Angolano, além de ter atividade em vários outros países, incluindo Portugal.
Um dos seus trunfos é o “monopólio” no transporte de trabalhadores para as plataformas de exploração de petróleo offshore e onshore das maiores produtoras em Angola.
A Kroll encontrou, no entanto, motivos de preocupação. “Ainda que o grupo BestFly aparente ter uma boa reputação, no decorrer da nossa investigação identificámos alguns comentários negativos de fontes da indústria, sobretudo relacionadas com os supostos acionistas e as suas ligações políticas, assim como alegadas práticas comerciais dúbias”, transcreve a ECO, na sua notícia que aqui retomamos.
Um dos pontos sublinhados é a “estrutura acionista opaca”.
A BestFly foi associada na Imprensa Angolana a Augusto Tomás, antigo Ministro das Finanças e dos Transportes, entre 1995 e 2017, durante a presidência de José Eduardo dos Santos. Seria mesmo um dos detentores da companhia aérea. Após deixar a governação foi acusado de apropriação indevida de fundos públicos e condenado, em 2019, a 14 anos de prisão por corrupção. Saiu, entretanto, em liberdade condicional.
Em resposta ao ECO, fonte do consórcio afirma que Augusto Tomás “não é nem nunca foi” acionista da BestFly e que o grupo “nunca foi beneficiado em qualquer negócio” com o Estado.
As fontes consultadas pela Kroll apontam também ligações ao general João de Matos, falecido em 2017, e a Mário Palhares, chairman e CEO do Banco Internacional de Negócios, dono do BNI Europa em Portugal, que foi também antigo vice-governador do Banco Nacional de Angola e teria facilitado a entrada da companhia em Cabo Verde. Há também ligações, indiretas, ao atual Governo Angolano. Nuno Sandão, administrador executivo da BestFly, é primo de Ricardo de Abreu, que desde 2022 é o titular da pasta dos Transportes, em Angola.
SATA aponta “possíveis falhas de idoneidade”
A privatização da Azores Airlines foi suspensa com a queda do Governo Regional e retomada a 15 de março, após as eleições que mantiveram a coligação PSD/CDS no poder. O júri do concurso público, liderado pelo economista Augusto Mateus, teve entretanto acesso à auditoria da Kroll aos candidatos e decidiu incluir no relatório final, entregue no início de abril, uma “conclusão adicional”. Nela, sublinha que “as conclusões do relatório do júri são claras quando atribuem ao agrupamento concorrente New Tour/MS Aviation, uma pontuação global de (46,69) bem mais próxima do nível mínimo suficiente (25) do que do nível máximo possível (100)”.
O júri recomenda, por isso, que a SATA e o Governo Regional “procedam a um aprofundamento de informação e análise, nomeadamente no que respeita à idoneidade do agrupamento New Tour/MS Aviation, tendo em vista uma avaliação global das condições de sucesso na prossecução do processo de privatização, por forma a poderem tomar as decisões de forma mais adequada e mais segura possível”.
Na conferência de Imprensa após a entrega do relatório, Augusto Mateus manteve o tom crítico, assinalando a baixa nota do único candidato admitido e sublinhando que “não se pode ter objetivos exigentes sem ter um nível de exigência e de conforto na decisão”.
Palavras que apontavam já para um cenário de cancelamento do concurso.
A 9 de abril, a CEO da SATA, Teresa Gonçalves, apresentou a demissão com efeitos a partir do final do mês, tal como o administrador financeiro, Dinis Modesto, alegando “motivos pessoais”. Dias depois, citada pela comissão de trabalhadores da companhia, disse que a decisão se prendia com o facto “de o Governo Regional dos Açores não ter oferecido condições necessárias para dar continuidade ao desenvolvimento do projeto“.
Foi ainda com a gestora na liderança executiva, mas demissionária, que a administração da SATA enviou uma carta ao Governo Regional a pedir “orientação específica” quanto ao seguimento a dar ao concurso, mostrando preocupação em relação às “possíveis falhas de idoneidade” registadas pela Kroll. Na missiva, datada de 24 de abril e endereçada ao Secretário Regional das Finanças, e à Secretária Regional das Infraestruturas, a que o ECO teve acesso, é apontado que “o relatório alude a indícios de uma possível falta de idoneidade profissional, operacional e financeira do grupo económico em que se insere um dos membros do agrupamento concorrente New Tour/MS Aviation – o Grupo BestFfly“, referindo as várias situações identificadas. Acrescenta um outro dado: uma nova avaliação do assessor financeiro, entregue a 9 de abril. “Os parâmetros económicos de avaliação da SATA Internacional sofreram uma clara melhoria relativamente ao verificado no momento do lançamento do concurso para a privatização da companhia, traduzindo-se num valor de avaliação mínimo de 20 milhões, valor este superior aos 6 milhões inicialmente definidos e que ficaram estabelecidos no caderno de encargos como preço mínimo a oferecer pelos concorrentes”, nota a carta. A última proposta do consórcio foi de 5,02 milhões de Euros, por apenas 76% do capital.
Embora cite a avaliação baixa no concurso e a necessidade de aprofundar a informação sobre o consórcio New Tour/MS Aviation, é àquela reavaliação que o Governo liderado por José Manuel Bolieiro se agarra para a 2 de maio deliberar a revogação da resolução que ditou a venda do capital da Azores Airlines e dar como “cancelado” o concurso, considerando que “o interesse público só é protegido através de um processo de privatização que tenha como pressuposto e leve em conta essa significativa valorização da SATA Internacional – Azores Airlines”.
Decisão que levou o consórcio a entrar com uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, para suspender a anulação da privatização. A providência cautelar foi aceite.