Debate ou estratégia de enganação?

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Com uma intimidade que acho não lhe dei, um agitado “mobilizador da conspiração” perguntou-me em tom de mal disfarçada repreensão sobre o que acho da polémica que envolve a nomeação de uma figura do país para cargo de Embaixador nos Estados Unidos da América.

O que acho? Bem sobre a polémica em si, não acho nada. A não ser que é mais uma deriva do atual espírito de campanha, mais agitado agora, é certo, mas sempre ativo e com sonoras “gritalhadas”, desde 2016 logo depois das eleições legislativas.

Nada a fazer. A falta de capacidade de diálogo e a má comunicação política, de uns e de outros, sempre tiveram o dom de estupidificar a política, com ganhos para uns e grandes perdas para muitos e para a verdade dos factos que, nestes casos, é sempre a primeira vítima mortal.

Mas, passando da paranoia para as questões importantes e factuais, não poderia ignorar as duas questões de fundo que são as ditas “nomeações políticas” e o montante das aposentações que, volta e meia, escandalizam certas sensibilidades que têm a notável habilidade de não se escandalizarem com coisas de igual teor desde que…

A respeito das nomeações ditas políticas, embora haja casos pontuais que causam estranheza e até incontida reprovação, a verdade é que esses alvoroços sempre se fizeram por razões e com critérios equivocados. Propositadamente equivocados, diria eu.

Ou seja, deixa-se de abordar as questões de princípio e de fundo, para se centrar na fulanização inconsequente, de acordo com as simpatias e antipatias de cada um contra cada qual.

É facto confirmado que a nomeação de embaixadores por escolha fora da carreira diplomática é uma prática normal em todo o mundo e, em Cabo Verde, a Lei prevê, expressamente, esta hipótese.

Não podia ser de outro modo pois, primeiro, o embaixador é um cargo político e a sua escolha, sendo, em todas as circunstâncias um ato político, depende do perfil de exigência que a situação exige!

O tema só não é pacífico por causa da guerrilha partidária que tolda a lógica para dar lugar ao “animus atacandi” de quem possa se sentir frustrado por alguma razão oculta ou assumida.

Facto, ou pelo menos forte presunção, é que muitos diplomatas de carreira são muito mais partidarizados do que muitos embaixadores ditos políticos que temos conhecido.

Lembro-me por exemplo das nomeações dos embaixadores Carlos Veiga, Eurico Monteiro e José Filomeno Monteiro que foram saudadas com as mais furiosas ovações e que depois deixaram de se ouvir.

Será que passado o espírito da “intifada” há ainda alguém que acredite que se tratou de favoritismo político-partidário?

Sinceramente, não creio. Acho até que a questão, claramente, não é essa até porque o desempenho deles é reconhecido como altamente positivo e com ganhos evidentes para o nosso país.

No caso do novo embaixador José Luís Livramento é de crer que não será diferente. Teve sempre uma carreira marcada pela competência e pelo mérito, tanto como técnico e gestor empresarial, como na governação, em que mostrou estar à altura dos desafios políticos e técnicos cruciais para o avanço da Educação em Cabo Verde.

Em relação à nomeação de um aposentado, se quisermos debater o tema com o mínimo de informação que sustente alguma tese de ataque ou de defesa, temos de começar por observar que o convite do governo não foi a um aposentado, pois, nessa altura e por muito mais tempo, o mesmo estava, tranquilamente, na gestão da CVTelecom e só ultimamente, na preparação da sua ida para os Estados Unidos, se aposentou para deixar esta questão fechada e não quando voltasse desse País no final da missão.

Isto é, não fosse o cargo a desempenhar em Washington, José Luis Livramento ainda não estaria aposentado, continuando a usufruir de melhores condições, incluindo financeiras, estes são os factos.

Neste ponto, coloca-se o sensível problema da pensão que objetivamente é alta, mas que é o resultado de um cálculo baseado na lei e na sua carreira contributiva para o INPS.

O caso é para perguntar:

Quem reclama desta pensão nunca pensou em questionar a lei que estabelece o regime de aposentação dos contribuintes para a Previdência Social?

Nunca antes se escandalizou com outras pensões milionárias, até de pessoas que desempenharam o mesmo cargo que ele?

Será que ninguém mostra curiosidade em relação a um outro contemplado de quem já se fala à boca fechada nos bastidores das redes sociais?

Afinal, pau que bate em Chico também não deveria bater em Francisco? Claro que não, porque a mensagem, para ser politicamente dirigida, tem de ser seletiva em relação aos factos e aos alvos.

Seletiva nos factos invocados e nos alvos, claro, com certeza. Mas, como seria de esperar, pelo menos com uma dose menos minguada de verdade, a tal “factualização” dos argumentos que tanta falta faz no tratamento das questões políticas no universo das ilhas.

A provar isto está outra mensagem que não corresponde à verdade. Tem-se passado a informação que o senhor embaixador vai juntar os salários da função com os proventos da pensão.

Pura estratégia de enganação. Até porque quem difunde esta ideia sabe muito bem que há um máximo a receber, pois existe um salário de referência que não pode ser ultrapassado pelo aposentado na soma de outros proventos com as pensões e que, neste caso, quem poupa é a Previdência Social pois pode vir a pagar um montante muito inferior ao que pagaria. De resto, o Estado faz o seu papel equilibrador, aplicando às pensões mais altas pesadas taxas de impostos!

A finalizar, uma observação de cunho pessoal. Para que não seja confundido com alguma “testemunha abonatória” que opina por encomenda e sem preocupações com a verdade e com os princípios socialmente aceites, só quero dizer que, em relação às nomeações dos embaixadores ou ao cálculo das pensões da aposentação, não sou contra, nem a favor.

Antes pelo contrário, desde que seja politica, ética e legalmente sustentáveis, mas sem os moralismos que normalmente disfarçam maiores imoralidades.



2 COMENTÁRIOS

  1. Eu creio que a opinião generalizada dos cabo-verdianos é que o actual Embaixador é uma pessoa portadora de princípios e valores que deixam falta a muita boa gente no país. É honesto, frontal quanto baste, por onde passou deixou marcas relevantes, como seja a modernização dos meios de comunicação sendo que neste setor negociou e concretizou um negócio de quase 250 milhões de dólares que irá, quando entrar em funcionamento, colocar Cabo Verde no Top em África das modernas vias de comunicação. Foi senão o melhor ministro de educação, terá sido um dos melhores da era democrática. Só desejo que a sorte lhe seja companheira e que supere o grande trabalho desenvolvido pelo Carlos Veiga nos Estados Unidos…e que esteja sempre disponível, enquanto referência moral e política para abraçar, caso for necessário, regressar para ocupar os altos cargos do país.

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