Democracia e Espaço Público

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A primeira conquista das democracias é a constituição de um espaço público de discussão, como bem referiu sem ambiguidades Wittgenstein, e respetivo corolário obrigatório: a liberdade de expressão ou de opinião, a liberdade de imprensa e um conjunto dos grandes meios de comunicação e suas respetivas regras.

Contudo, importa não olvidar que o espaço público não se constitui por decreto imediato. Constitui-se gradualmente no processo de afirmação de uma democracia. Por isso, ele é a própria realidade de uma democracia, um corpo heterogéneo em que tem lugar a expressão contraditória das opiniões, das informações e das ideologias.

Eis a razão por que se inventou a democracia como a melhor forma de governo, porque obriga a contrastar opiniões e a escutar o outro. Por conseguinte, a liberdade individual foi, inequivocamente, uma das grandes conquistas da modernidade. Saber utilizá-la de forma que não prejudique a vida em comum e atrever-se a utilizá-la para ir em contracorrente é a obrigação da ética. Uma ética que aspire a ser global tem de se apoiar na moderação como virtude básica, porque o saber é limitado e ninguém tem o exclusivo da razão.

Aqui chegados, importa referir que “a liberdade é o poder que pertence ao homem de fazer tudo o que não lese os direitos do próximo. Ela tem por princípio a natureza; por regra a justiça; por salvaguarda a lei. O seu limite moral encontra-se nesta máxima: não faças ao próximo o que não queres que façam a ti” (DDCF, Artº 6).

Assim entendido, o jornalista tem o direito a dizer o que quer ou pensa; o público tem o direito a ser informado. Ora, além desses direitos, estão os outros, os primeiros e fundamentais: o direito de toda a pessoa ser tratada como tal, a ser respeitada na sua liberdade e dignidade. E o problema ético surge não apenas quando um determinado direito deixa de ser respeitado, mas, por maioria de razão, quando a aplicação de um direito viola outro.

É o conflito entre direitos que deve ser dirimido com aquilo a que Aristóteles chamou «prudência»: a justiça medida entre os dois extremos. A informação deve ser livre, efetivamente, mas medida, ou seja, nem o informador tem o direito de dizer tudo, nem o público tem direito a ser informado de qualquer estupidez ou trivialidade.

Ora, tomando a dúvida como norma, ocorre algo similar ao que acontece com a tolerância. É correto tolerar o que não gostamos e nos incomoda, mas nem tudo é tolerável!

Socorrendo-se das ideias da renomada filósofa Victoria Camps, na sua obra Paradoxos do Individualismo, “a sociedade é culpada por se divertir com asneiras ou por dar aos mexericos a importância que eles não têm”. Somos, pois, todos culpados! Uma abdicação da responsabilidade que se esconde, sem dúvida, na defesa dos direitos fundamentais. Quando uma informação é trivial, pouco séria, escandalosa, gravosa, os seus responsáveis desculpam-se dizendo que apenas quiseram corresponder aos interesses reais do público. É caso para perguntar: Quais são os reais interesses do público? Ou é o interesse comum o que deveria orientar e servir de critério de informação justa e boa?

Portanto, não se pode considerar igual a informação de um jornal prestigiado e sério, e a informação de um tabloide amarelo ou de uma revista de coração.

Por tudo isto, somos a concluir que hoje em dia a muitos não lhes interessa para nada a verdade, já que cada um fabrica a sua própria verdade, subjetiva, particular, talhada segundo as suas preferências, escolhendo o que mais gosta e recusando o que não lhe apetece. Uma verdade por encomenda, sem implicar compromisso existencial. O cidadão-consumidor tem de aprender a estabelecer limites à sua tolerância. Motivos mais do que suficientes para que nós todos possamos defender a democracia contra o populismo bacoco que grassa por cá!