DESENHO DE UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA: Da desregulação à sociedade solidária!

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O crescimento e incremento da criminalidade nos grandes centros urbanos conjugados com a espetacularização da violência pela comunicação social têm alimentado um profundo sentimento de insegurança na população.

A sensação de risco que se estende quase que indiscriminadamente por todo o tecido social reformata a perceção do outro de forma nociva, acentuando a imagem de periculosidade e a intuição de impossibilidade de reciprocidade social.

Que não há sociedade sem crime, parece que ninguém tem dúvidas. Obviamente que se assim é, deve-se concluir que a meta de acabar com o crime e a criminalidade é inatingível.

O crime e os criminosos fazem parte integrante da realidade social, e, por conseguinte, sendo algo endógeno à sociedade, fica claro para quem tem a responsabilidade de gerir e governar a sociedade que deverá realisticamente procurar manter a criminalidade dentro de parâmetros socialmente aceitáveis.

Por isso, nunca se deve fazer promessas de que se vai erradicar a criminalidade, uma vez que esse fenómeno vai muito para além da simples prática de crimes. Da mesma forma que se deve falar a verdade sobre a criminalidade aos cidadãos porque também a eles cabe uma fatia grande de responsabilidade no seu combate.

Uma política de segurança consequente encara o combate ao crime e à criminalidade numa ótica holística, começando em casa, no seio familiar, passando pela escola e pela comunidade, dotando os cidadãos nas diferentes esferas etárias de ferramentas que lhes permitem, dentro do razoavelmente exigível, prevenir situações propiciadoras de práticas criminais.

Esta perspetiva e pressupostos que se está a desenvolver quebra com o pensamento tradicional que prescreve que o fenómeno da criminalidade se circunscreve a intervenção da polícia. Hoje, todos estão cientes, que a polícia é apenas um dos pilares na estratégia de combate à criminalidade, sendo que o primeiro pilar é atribuída à prevenção ou seja: a todos as ações imediatas e mediatas que podem ser implementadas e que antecedem ao cometimento de crimes.

Para além do que cada cidadão possa fazer, há tarefas e missões do Estado que não podem ser atribuídas a ninguém, e sem as quais nenhuma política de segurança terá sucesso. Refiro-me às políticas de combate às desigualdades, bem como a de repressão a comportamentos desviantes que ponham em causa o convívio social. As duas componentes são indissociáveis, e não há nenhuma política bem-sucedida de segurança, apostando apenas na repressão, nem sucesso absoluto de políticas de segurança, investindo apenas no combate às desigualdades.

Parece ser uma evidência, que nas sociedades onde se geram profundas desigualdades e exclusão social, estas são muito mais propensas e vulneráveis a práticas da criminalidade do que aquelas, cujo nível de desigualdades e exclusão é menor ou menos acentuado. Quanto mais uma sociedade for criminogénica, mais fracassos regista nas suas políticas de socialização, e por conseguinte, mais desregulada socialmente é essa sociedade.

A criminalidade nas sociedades geradoras da híper-desigualdade emerge como uma reação à violência simbólica que é exercida sobre segmentos significativos da população, geralmente expostas e marginalizadas em bairros degradados e sem condições mínimas de habitabilidade, sujeitas a pobreza extrema e a dificuldade de acesso a bens básicos, como a saúde, educação, emprego e formação profissional, segurança e integração social entre outros.

Quando se desenha uma política de segurança deve-se ter presente essas dimensões e deve-se delinear medidas de políticas que atendam e respondam de forma consistente às assimetrias sociais que gerem ou potenciem comportamentos anti-sociais.

Uma política de segurança consequente deverá inserir fundamentalmente três pilares: (i) o de prevenção (ii) o de regulação e (iii) o de integração/reinserção social. Os três pilares são essenciais no desenho de uma política que tem em devida conta a harmonização de interesses e a paz sociais, enquanto instrumentos que participam na construção de uma sociedade solidária.

As sociedades modernas em que vivemos são pouco solidárias, e infelizmente isso contribui decisivamente para a ausência de um forte espírito comunitário, bem como, para o desenvolvimento de uma cultura segregacionista e individualista, sendo a sua expressão máxima, a exclusão.

As desigualdades e a exclusão sociais, que campeiam nessas sociedades, são fenómenos que geram e promovem violências de natureza diversa, incluindo a criminal.

Um outro pilar importante da política de segurança tem a ver com a integração/reinserção social dos reclusos. Trata-se de uma vertente importante da política de segurança, uma vez que, por cada recluso integrado na sociedade, é menos um potencial caso de reincidência.

A política prisional tem de absorver essa visão alargada e integrada, em que a população carcerária não é vista como um “lixo” social, mas como pessoas dotadas de capacidade que precisam ser potenciadas e de ter oportunidades.

Deste modo, os estabelecimentos prisionais devem ser apetrechados de outros meios que permitam desenvolver atividades de cariz reabilitativas pelo trabalho (criação de animais, produção agrícola, oficinas de vários tipos, informática, etc), habilitando os reclusos com indicação para o efeito, de ferramentas que lhes possibilitem ter atividade profissional, após o período de reclusão.

Para além disso, o regime de trabalho comunitário pode ser ensaiado, e a medida que se ganha experiência nesse domínio deve ser alargado.

É preciso apostar-se clara e decididamente nas políticas de reinserção sob pena de alguns meios que se pensa que se poupam, virem a ser um puro exercício de ilusionismo. Para além de se gastar bem mais, perde-se uma parcela de humanidade e de utilidade que esses seres transportam.

Infelizmente o Estado nessa matéria não é um bom exemplo.

Muita gente que cumpriu a sua pena, cumpriu o seu castigo, aparentemente se reabilitou, volta para a sociedade, e o primeiro a recusar a sua integração é o próprio Estado. Os empregos na administração pública continua tacitamente proibidos para aqueles que têm registo criminal com alguma mácula.

E não será uma dupla penalização? Uma cidadania amputada?

É também um sinal que é dado ao privado para que não empregue alguém que tenha algo no seu registo criminal, malgrado tenha pago com prisão por aquilo de errado fez?

Embora não se diga expressamente que a essas pessoas estão vedadas acesso a concursos, mas geralmente são eliminadas mal são identificados antecedentes criminais nos seus registos criminais.

Ora bem, a dupla condenação não nos parece o caminho adequado para reabilitar um ser humano, e se assim é, então esta matéria carece de um debate aprofundado.

Em síntese, diremos que a política de segurança assente em três pilares é fundamental para prevenir crimes, para a reduzir a incidência de crimes e reduzir as causas atuais e remotas que potenciem e desencadeiem o cometimento de crimes.

Uma política de segurança inteligente é aquela que se preocupa em reduzir o stock dos criminosos e, simultaneamente, previne, controla e evita o aparecimento de novos casos.



1 COMENTÁRIO

  1. Gostei da análise. Gostaria, contudo, de realçar dois ou tres pontos que considero essenciais. A meu ver é a Polícia que está assumindo o combate à criminalidade como sendo da sua inteira responsabilidade. Já fiz essa observação n vezes. E quando é assim a factura de cobrança vai para a Polícia. Referiu um ponto importante que tem a ver a e (re)educação dos reclusos. Não há preocupação em reabilitar os reclusos. Fazia-se propostas mas que eram rejeitadas porque não eram prioridades do Governo. A outra questão importante que merece tb a minha atenção é essa do cadastro criminal. A CNDHC não percebeu que isso é dupla criminalização é que já deveria ser banida deixando apenas os casos mais críticos? Na verdade as questões sociais estão sempre no segundo plano. Um erro gravíssimo e que custa muito. O que digo sempre é que Cabo Verde é comandado com duas principais fórmulas: a fórmula economicista e a fórmula legalista. As questões sociais que merecem ser tratadas com ferramentas sociais mas de forma integrada e sustentada são ignoradas por sucessivos governos. Enquanto consequência, o expoente máximo de toda essa ignorância e desleixo é o fenómeno thug. A exclusão social faz-se de diversas formas e há uma forma subtil de que falei no meu perfil: para um concurso pede-se três documentos: cadastro policial, cadastro da PJ e Registo Criminal. Para além do jovem não ter dinheiro para se concorrer porque os papéis custam muito, pede-se coisas a mais e logo no primeiro momento. A exclusão sistemática e gradual. Em cada degrau se exclui e muitas vezes de forma injusta. Consequências?

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