Deve o PR recusar a Ratificação do SOFA?

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SOFA: deve o Presidente da República, PR, recusar a Ratificação desse Acordo Internacional, com o fundamento de que o Governo não o “consultou”, ou não “articulou” com ele, previamente?

«Não tendo o PR usado dos seus poderes constitucionais, nomeadamente, o de «dirigir mensagem à Assembleia Nacional, para alertar preventivamente o Parlamento as suas reservas, as suas inquietações e as suas preocupações quanto ao SOFA, antes da sua aprovação e ainda não tendo suscitado a apreciação preventiva da constitucionalidade de nenhuma norma do SOFA junto do TC, o que deixa claro que não tem dúvidas sobre a sua constitucionalidade, não pode agora, do nosso ponto de vista, o PR deixar de Ratificar esse Acordo.

Caso não o faça, o seu comportamento pode ser interpretado como uma deslealdade institucional para com o Governo e uma violação do princípio da separação de poder, pedra angular do nosso sistema democrático, plasmado na CR que jurou defender, no momento em que cumpre o seu segundo e último mandato como Presidente da República»

Muitos têm suscitado a minha opinião, como jurista e político, sobre essa questão, sobretudo com as recentes declarações de Sua Excelência o Senhor PR de que conheceu “o SOFA depois de ser assinado” pelo Governo.

Primeiramente, um esclarecimento se impõe da minha parte, como Deputado Nacional. Não estive presente na votação e aprovação pelo Parlamento do SOFA. Nessa altura encontrava-me ausente do país, em Missão em Angola, como representante do Parlamento Pan Africano, PAN, no Fórum Parlamentar da SADEC, Comunidade Económica da África Austral.

Feito este esclarecimento, coloca-se a seguinte questão: no nosso figurino constitucional, deve o PR recusar Ratificar um Acordo Internacional, assinado entre o Governo de Cabo Verde e um país estrangeiro, já aprovado pelo Parlamento, só com o fundamento de que o Governo não o «consultou» ou não «articulou» com ele, previamente?

Antes de responder, impõe-se dizer que Cabo Verde é um Estado de Direito Democrático, assente no princípio de separação de poderes entre os Órgãos de Soberania, ou seja, entre o Governo, o Parlamento e os Tribunais e na repartição de competências entre esses órgãos e ainda o PR, enquanto Órgão singular de soberania do Estado.

O PR é o guardião da Constituição da República, CR, e, nesse sentido, «vigia e garante o cumprimento da Constituição e dos Tratados Internacionais» (Art. 125º, nº1, in fini, da CR).

É no ato de promulgar ou não os diplomas, de ratificar ou não os Tratados e Acordos Internacionais, que o PR exerce as suas maiores competências constitucionais. Compete-lhe, antes de promulgar ou de ratificar, verificar a conformidade desses diplomas, Tratados e Acordos, internacionais, com as normas da própria CR.

É verdade que também o PR tem o poder de vetar. Mas o veto político deve ser exercido não de forma arbitrária, mas sempre dentro do espírito e da letra da CR. Por exemplo, pode o PR vetar, livremente, um diploma do Governo que lhe é apresentado directamente, sem passar pelo crivo Parlamento. É o caso dos decretos-Leis e dos decretos-regulamentos. Mas, já os diplomas aprovados pelo Parlamento não podem ser “engavetados” pelo PR. Ele tem um prazo para os promulgar, para suscitar preventivamente a sua constitucionalidade e para vetar. E caso decidir vetar, devolve o diploma ao Parlamento para a “segunda leitura” desse órgão, sendo obrigado a promulgar, caso este o aprove de novo, ainda que nos seus precisos termos.

No que se refere aos Tratados e Acordos Internacionais, de acordo com a nossa CR «compete ao PR Ratificá-los «depois de validamente aprovados» (Art136º, alínea a) da CR).

Ora, no que se refere aos Tratados e Acordos Internacionais, «validamente aprovados», no caso em apreço, pelo Parlamento, a única situação que pode provocar a sua não Ratificação, do nosso ponto de vista, é a sua constitucionalidade, como veremos a seguir.

Na verdade, no âmbito das Relações Internacionais, quem «define, dirige e executa» a política geral interna e externa» é o Governo (Art. 185º da CR), essa função do Governo, nessa matéria, é “quase repartida» com a do PR, no âmbito da função de «representação», interna e externa, do Estado de Cabo Verde, o que exige alguma concertação na tomada de determinadas decisões, sobretudo, quando sensíveis.

E no caso do SOFA, o Governo, no âmbito das suas competências constitucionais, de dirigir e executar a política externa do país, negociou e assinou esse Acordo com um país amigo, no caso, os Estados Unidos da América, EUA.

Como lhe competia, constitucionalmente, após a assinatura, o Governo submeteu o referido Acordo ao Parlamento para a sua aprovação, o que aconteceu.

Estando esse Acordo aprovado pelo Parlamento, falta agora a sua ratificação pelo PR para poder vigorar, e, consequentemente, ser executado pelas partes signatárias.

E a questão que se coloca é aquela suscitada supra: deve o PR recusar a Ratificação desse Acordo, aprovado pelo Parlamento, com o fundamento de que o Governo não o “consultou”, ou não articulou com ele previamente, já que só conheceu “o SOFA depois de ser assinado” pelo Governo!

Salvo o devido respeito, esse argumento, de «consulta e auscultação prévia», não constitui fundamento constitucional para impedir o PR de Ratificar esse Acordo ainda que seria sempre salutar e desejável a concertação prévia com o PR nas matérias que tocam as Relações Internacionais, pelas razões acima referidas.

Mas, condicionar a Ratificação de Acordos internacionais à concertação prévia com o PR, quando a CR não o exige, pelo menos de forma clara e inequívoca, pode significar uma intromissão do PR nas competências do Governo em matéria de definição, direcção e execução da política externa, e, portanto, uma violação do princípio de separação de poderes consagrado na CR, que o PR jurou defender e preservar.

Repare-se que esse Acordo foi aprovado «validamente» pelo Parlamento, Órgão de soberania que representa o povo de Cabo Verde e cento do poder político no nosso sistema de Governo.

A nossa CR não fala de «veto» de Tratados e Acordos Internacionais, que são instrumentos jurídico/políticos aprovados pelo Parlamento. Mas diz expressamente que compete ao PR Ratificar os Tratados e Acordos Internacionais validamente aprovados», o que deixa entender uma certa uma obrigação do PR em Ratificar esses instrumentos, quando validamente aprovados.

O único fundamento que o PR tinha, nesta fase final do processo de Ratificação (que começou com a assinatura do Acordo pelo Governo e passou pela sua aprovação pelo Parlamento) para se opor à Ratificação do Acordo SOFA era o da sua constitucionalidade e, pelos vistos, o PR entendeu não suscitar ao Tribunal Constitucional, TC, a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas desse Acordo, o que significa que o PR não teve nenhuma dúvida sobre a sua constitucionalidade.

Embora seja uma questão não relevante, uma outra questão que aqui se levanta é saber se o PR deveria ficar passivo face ao «conhecimento tardio» do Acordo SOFA.

Não podia o PR utilizar outros poderes constitucionais para alertar a Assembleia Nacional uma ponderação na aprovação desse Acordo!

Na verdade, nos regimes políticos como o nosso, o PR dispõe de um poder importante que é o de «Dirigir mensagem à Assembleia Nacional e ao País» (Art 135º, nº 1, f) da CR).

Com o conhecimento do SOFA, após a sua assinatura pelo Governo, como alega, o PR podia dirigir uma mensagem à Assembleia Nacional, suscitando a sua dúvida, as suas inquietações e as suas preocupações à esse Órgão de soberania que logo a seguir ao ato de assinatura desse Acordo seria chamado a proceder a sua aprovação. E se isso acontecesse, antes da aprovação desse Acordo, o Parlamento pensaria «duas vezes» antes de o fazer, porquanto o PR na sua mensagem daria a entender que poderia não Ratificar esse Acordo, nos termos em que fora assinado. Todavia, o Presidente não utilizou esse importante poder que a CR lhe confere.

E podia mais. A CR confere ao PR a competência para «requerer o Presidente da Assembleia Nacional, ouvindo o Conselho da República, a convocação extraordinária daquele órgão, para apreciar assuntos específicos» (Art. 135º, nº 1, o) da CR). Por aquilo que este Acordo representa para Cabo Verde, podia ou não o PR usar essa competência constitucional, chamando a atenção do Parlamento, e do próprio Governo, para uma apreciação mais serena do assunto, dada a sua delicadeza e implicação para o nosso país!

O PR não utilizou nenhum dos dispositivos constitucionais acima referidos, dando a nítida impressão que, apesar de algum pronunciamento, não estava contra os termos desse Acordo e que iria Ratificá-lo.

Assim, não tendo o PR usado dos seus poderes constitucionais, nomeadamente, o de «dirigir mensagem à Assembleia Nacional, para alertar preventivamente o Parlamento as suas reservas, as suas inquietações e as suas preocupações quanto ao SOFA, antes da sua aprovação e ainda não tendo suscitado a apreciação preventiva da constitucionalidade de nenhuma norma do SOFA junto do TC, o que deixa claro que não tem dúvidas sobre a sua constitucionalidade, não pode agora, do nosso ponto de vista, o PR deixar de Ratificar esse Acordo.

Caso não o faça, o seu comportamento pode ser interpretado como uma deslealdade institucional para com o Governo e uma violação do princípio da separação de poder, pedra angular do nosso sistema democrático, plasmado na CR, que jurou defender, no momento em que cumpre o seu segundo e último mandato como Presidente da República.



5 COMENTÁRIOS

  1. Estará o Sr. Presidente da Republica a esforçar para afastar o ónus de ser eleito com o apoio do MPD? estará o PR a fazer de TUDO para cair na graça do paicv e sua máquina de propaganda? bastantes vezes deixou-me a penssar! como aquela entrevista a pôr em causa as metas do Governo! como reage a todas lamurias inventadas por essa gente, um partido que tudo o que faz, é baseado na mentira, factos alternativo ou adulterados, instiga a desordem no País inteiro até na policia… etc é PERIGOSO!
    se essa minha percessão etiver certa, é DESLEALDADE a mais,estou DESILUDIDO!

  2. Se optar pelo jogo do PAICV, ao não ratificar um Acordo Internacional, como lhe impõe a CR, JCF passa a preencher todos os requisitos legais, políticos e constitucionais para ser afastado do cargo pela via de um impeachment. Quem governa é o Governo, o parlamento já fez o que lhe compete, restando ao PR cumprir àquilo que a CR impõe. Para isso não precisa estar de acordo, desde que se cumpram todos os requisitos legais. Na entrevista ao Expresso das Ilhas, temos um PR amargurado com os sucessos externos do Governo que ele julga dever ser ou estar associado. JCF fez birra, tipicamente do Paicv: ou sou parte disto, ou acaba o jogo, ou boto lama nisto tudo. JCF desafia os USA e avisa que vai criticar a pena de morte na reunião da Assembléia Geral das Nações, sendo que durante todo os mandatos dos governos do Paicv omitiu a sua opinião, sabendo que o Paicv não é contra a pena de morte. Faz agora, num momento bom do relacionamento entre Cabo Verde e os Estados Unidos.

  3. Perguntas suplementares:
    O PR estará a pretender mudar as regras do jogo a decorrer? quer virar o nosso sistema politico Presidencialista? eu tenho uma noticia para o Sr PR e os auto denominados “melhores filhos desta terra”: o povo SOBERANO LEGITIMOU este partido/governo para liderar os destinos deste País, como já havia feito em 91 para LIBERTAR-NOS DOS MALIGNOS DESTA TERRA, ela saberá em 2021 fazer da sua justiça!

  4. Pelo que vejo, quem quer condicionar, quem? Afinal qual o papel do nosso PR? O PR esta ao serviço de quem? Do Parlamento? Do Governo. Atrelar JCF ao PAICV, ja aconteceu tambem ao nosso Mascarenhas Monteiro. Se como a maioria desses SALOIOS acima acham que a CR impõe, entao porque se preocupam com o PR? Se ele nao tem escolha, porque toda esta preocupaçao? Se o PR tem alguma força, de onde vem essa força? Se alguma coisa nao bate bem, de quem é a culpa? Quando se quer, o PR é o melhor que ja pisou por estas bandas! E quando não se quer? Perguntem ao nosso defunto AMM!

  5. Para dizer ao “SALOIO” aqui em cima, que o papel do PR é defender a CR e a VERDADE, não é estar a pretender centar na cadeira do GOVERNO e do PARLAMENTO, nem é andar CONSTANTEMENTE a VAGUEIAR à volta das MENTIRAS e pretenções do paicv e seus lacáios!

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