EDITORIAL: Contestação à deliberação da ARC no caso roubo de energia

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Diretor Executivo do Jornal OPAÍS acaba de posicionar-se ao conteúdo da deliberação da ARC, na sequência da queixa do Cidadão Rui Semedo, no âmbito da notícia Roubo de Energia, de 8.08.2018

Foi com profunda estranheza que tomamos conhecimento do teor da deliberação N.º 52/CR-ARC/2018, de 2 de outubro, produzida pelo Conselho Regulador da Autoridade Reguladora para a Comunicação Social, em que o Conselho Regulador chega à conclusão de que o texto da notícia editada em OPAÍS.cv “não é rigoroso, isento e objetivo”.

E em consequência, mais adiante, a ARC conclui “dar procedência” à queixa contra o Jornal e instaurar um processo de contraordenação contra a proprietária do Jornal.

Ora o que diz a deliberação da ARC?

Entre outras, que:

1. O Jornal OPAÍS.cv “não observou os princípios ético-legais, relativamente ao rigor informativo, não concedendo audição aos interesses atendíveis e colocando em causa os direitos à imagem, ao bom-nome e à consideração do Queixoso”;

2. O dever de comprovar a verdade dos factos e ouvir as partes interessadas não foi assegurado;

3. O rigor, a isenção e a objetividade do texto jornalístico só se cumprem, segundo a ARC, com o confronto de posições;

4. A preterição da audição das partes com interesses atendíveis na matéria objeto de notícia, ou pelo menos a tentativa séria de o fazer, inquina, no entender da ARC, a notícia;

5. O INTERESSE PÚBLICO na notícia não se mostrou acautelado, porquanto o texto não observou as regras que enformam a atividade jornalística;

6. Não foram relatados com exatidão os factos veiculados, bem como de não ter sido respeitado, de forma escrupulosa, o princípio de presunção de inocência;

7. Segundo a ARC, o Jornal OPAÍS.cv não observou, grosseiramente, o princípio de uma informação fatual, rigorosa, credível e digna de confiança que informa atividade de imprensa escrita… bem como os limites à liberdade de imprensa consagrados no artigo 6.º da Lei de Imprensa Escrita, na medida em que não houve salvaguarda do rigor e objetividade na notícia, pondo em causa o bom nome e a imagem do queixoso.

Expostos os argumentos e aparentes fundamentos da ARC, cumpre-nos agora analisá-los à luz da Lei:

8. A ARC faz referência à inobservância aos princípios ético-legais, mas não aponta e nem concretiza os aspetos ético-legais lesados pelo Jornal, não cumprindo com o dever de fundamentação;

9. Do mesmo modo, a ARC, também, afirma que o OPAÍS.cv pôs em causa o direito à imagem, ao bom nome e à consideração do queixoso, todavia não aponta qual foi a conduta em concreto do Jornal que atentou contra esse direito do queixoso;

10. Atentar contra o bom nome, a honra e a imagem de quem quer que seja só poderá traduzir-se nos seguintes ilícitos: ofensa, difamação, calúnia, injúria, etc, casos que a ARC ao longo dos seus 94 pontos, em momento algum tipificou, mas, também, não o poderia fazer porque inexistem;

11. A ARC ignorou, olimpicamente, os pontos centrais da notícia veiculada pelo OPAÍS.cv que consistia nos seguintes factos verdadeiros e comprovados:

a) Ocorrência de roubo de energia;

b) Adulteração do contador na residência do queixoso;

c) A existência de cometimento de um CRIME PÚBLICO nessa residência;

d) O estatuto do morador nessa residência.

12. A notícia difundida é FACTUAL, VERDADEIRA E OPORTUNA, não tendo o Jornal infringido nenhuma norma ou regras de produção jornalística;

13. O que estava e está em causa não é, apenas, a titularidade do contrato de fornecimento de energia, mas sim o usufruto ilegal de um BEM PÚBLICO pelo residente dessa moradia. Questão outra, será a adulteração do contador que a investigação, a realizar-se pelas entidades competentes, irá determinar quem é ou foi o autor material do crime;

14. A ARC, na sua deriva punitiva, ignora ou desconhece o que estatui o artigo 6.º da Lei da Comunicação Social que estabelece que se deve socorrer “sempre que possível” a diversas fontes: trata-se de um dever orientador e não imperativo categórico;

15. Sempre que possível, em bom português, não se conjuga com o conteúdo vazado no ponto 67 da deliberação, e essa norma orientadora da lei lança por terra a tese de que não ouvindo várias fontes se põe em causa o rigor, a isenção e a objetividade, tão propalada pela ARC ao longo de todo o texto da deliberação;

16. Essa visão da ARC “de jornalismo sem regras ou contra regras” não se conjuga com as publicações de grandes notícias sobre, por exemplo, os PANAMA PAPERS, a publicação do Der Spiegel sobre o caso Cristiano Ronaldo e outros grandes casos, em que se privilegia a credibilidade da fonte de informação que cede os dados, e não a audição das partes, havendo, naturalmente, espaços para desmentidos e o exercício de direito de resposta;

17. Com essa tese peregrina defendida pela ARC, da imperatividade de audição de diversas fontes, não seriam necessárias, no nosso ordenamento jurídico, as figuras de direito de resposta, de retificação e de esclarecimento, uma vez que nunca haveria conflitualidade entre o direito de informar e outros direitos que a Lei prevê;

18. O direito de resposta e de retificação consagrado nos artigos 18.º e 21.º da Lei da Comunicação Social serve exatamente como a mesma diz para “qualquer pessoa, singular ou coletiva, que se considere prejudicada pela divulgação, através de qualquer meio de comunicação social, pelo fato que constitua ou contenha ofensa, seja inverídico ou erróneo, suscetível de afetar o seu bom nome ou reputação, pode exercer o direito de resposta, de desmentido ou de retificação”, daí não entendermos a posição da ARC que minimiza, senão mesmo, ignora essas figuras jurídicas corretoras de eventuais desvios a regras ou princípios jornalísticos, para se cingir simplesmente, ao dever imperativo de audição das partes interessadas, o que a Lei Cabo-verdiana não exige e nem impõe, apenas orienta;

19. O que mais espanta, senão mesmo assusta, nessa deliberação da ARC, é quando esta entidade entra na questão de se atentar contra a presunção de inocência do queixoso, onde se chega ao ponto mais inacreditável desta deliberação, ao atribuir ao Jornal a responsabilidade de se atentar contra a presunção de inocência. Ora se uma pessoa que mora numa casa, onde comprovadamente se constatou que o morador usufrui do consumo ilegal de energia, e esse facto é considerado, à luz da legislação em vigor, como CRIME PÚBLICO: é lícito ou não admitir que essa pessoa está a par com a Justiça? Qualquer Cidadão mediano diria que sim! E estar a par com a Justiça indicia alguma conotação culposa? Claro que não!

20. Assunto bem diferente, que será tratado em sede própria, terá a ver com adulteração do contador que só a Justiça irá decidir. O Jornal em nenhum momento afirmou ou insinuou, sequer, que ele é culpado de coisa alguma: apenas a ARC, na sua deriva punitivista ou de atitude de quem quer mostrar serviço, chega a essa conclusão esdrúxula.

Assim:

Face aos factos aqui já evidenciados, temos, inequivocamente, que afirmar que:

a) O Jornal OPAÍS.cv respeitou as regras que orientam a atividade jornalística, não tendo infringido nenhuma norma legal conhecido no ordenamento jurídico Cabo-verdiano;

b) Os argumentos utilizados pela ARC para condenar o Jornal OPAÍS.cv contrariam o disposto na alínea a) do artigo 6.º da Lei da Comunicação Social;

c) A ARC não evidenciou, em nenhum momento, as matérias ilícitas imputáveis ao Jornal que atentem contra à imagem, a honra e reputação do queixoso, facto que vai em contramão ao que a Lei exige;

d) O Jornal priorizou o INTERESSE PÚBLICO na divulgação da notícia por se tratar de um crime grave, posição que, de alguma forma, está em sintonia com a doutrina e a jurisprudência, sobretudo portuguesa, nesta matéria, onde se estabelece que quando há conflito entre dois direitos de igual valor, deve prevalecer-se, na medida do razoável, o interesse público na difusão da notícia;

e) A posição da ARC, enquanto entidade reguladora, é limitadora e condicionadora da liberdade de imprensa e do direito de informar, facto que não deixa ser preocupante;

f) O Jornal OPAÍS.cv não prescinde do seu direito de informar, e acionará todos os meios legais necessários, sobretudo o disposto no artigo 70.º dos Estatutos da ARC, para fazer valer a legalidade e o seu direito inalienável de informar.

Cidade da Praia, 15 de outubro de 2018

Alírio CabralGomes | Diretor Executivo



4 COMENTÁRIOS

  1. A pergunta que se põe é como foi que a Arc chegou a esta conclusão, se, pelos vistos nem teve o cuidado de ouvir a outra parte? Além do visado ter sido identificado como proprietário residente da moradia onde foi detectado a violação do contador, crime punível na Lei de Cabo Verde, a notícia não identifica o sujeito como criminosos mas sim como proprietário da moradia onde a ELECTRA identificou a violação do contador. E mais, sendo o visado uma figura pública está sujeito a destaque noticiosas que poderão ser inflamatórias sem infringir na Lei da comunicação Social (ver o artigo já referido no texto acima). Uma coisa é certa, com essa infeliz deliberação da ARC, pode-se assumir, sem reservas, de que os membros da comunicação social nacional estão perante uma ditadura institucional. Até da-se a impressão que a ARC está sob o controlo dos políticos corruptos, o que torna a liberdade de imprensa uma farsa constitucional.

  2. A resposta que o OPAIS deve dar ao ARC, é não deixar este caso cair no esquecimento! Os politicos, e ainda mais aqueles politicos em CV que pensa que o mundo gira à volta deles, tem que aprender a respeitar a liberdade dos outros em informar! o OPAIS negou o direito de responder? acho que não, o jornal poblicou todas a reações do visado,da sua lider do partido etc… CURIOSO aquéla CAVALA da liberdade de imprensa em CV estar em causa, ORQUESTRADA pelo paicv,tinha como porta vóz (qual o famoso ministro do Iraque) o Rui Semedo!!! nem toda a imprensa é composta por MARIONETAS!!! AGUENTA!

  3. Desde de quando é papel da ARC avaliar a conduta ética, moral e legal do jornalista? Ética e moral, a menos que os membros desta organização se consideram os “mujahedinis” cuja conduta social, moral e ética está acima de qualquer suspeita e superior ao comum dos mortais. Não é o caso. Conduta legal? Ora, para isso existem tribunais. A ARC deveria apenas e tão somente avaliar se há ou não interesse público na notícia; se foram ou não respeitados os procedimentos jornalísticos básicos. Não cabe à ARC avaliar a presunção de inocência do visado tão pouco a presunção de culpabilidade do jornal. Agora, vê-se claramente o padrão coercitivo do comportamento da ARC. Eu, pessoalmente, prefiro um jornal “fora” da Lei que políticos malandros, não querendo, obviamente dizer com isso, que a pessoa em causa é ou não malandra.

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