Este tempo de pandemia é uma ocasião favorável para fazer Cristo presente na vida das pessoas – Dom Ildo Fortes

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Bispo de Mindelo diz que a melhor celebração do Natal, seria “viver e partilhar” a alegria e o amor que nos vêm de Deus. Dom Ildo espera que cada cristão possa “arranjar” espaço no seus coração, lar e esquemas “para Deus vir habitar no meio de nós e para sermos nós uma prenda agradável, generosa aos nossos irmãos”

Em entrevista ao OPAÍS.cv, por ocasião do Natal, Dom Ildo Fortes explica que o sentido e significado desta Solenidade “não muda” com as circunstâncias em que as vivemos, que é a pandemia da Covid-19. Diz mesmo que os momentos de crise que Deus nos permite viver “são excelentes oportunidades de reflexão” sobre a vida e de crescimento.

Andávamos “demasiados distraídos e agarrados ao acessório, passageiro e supérfluo”, observa o Prelado para quem talvez “esta tempestade que se abateu inesperadamente sobre a humanidade inteira nos faça despertar para aquilo que é mais importante”.

OPAÍS.cv – Estamos já em clima festivo do Natal, celebrando o nascimento de Jesus. Será uma celebração diferente porque em tempos de pandemia, mas nem por isso se perde o verdadeiro sentido desta solenidade.

Dom Ildo Fortes – O sentido ou o significado desta Solenidade ou de outra qualquer – a mais importante delas é a Páscoa – não muda com as circunstâncias em que as vivemos.

Alguns Órgãos de Comunicação Social me têm procurado, para saber o que tenho a dizer às pessoas, neste Natal, em dias de pandemia. Obviamente que Natal se tem revestido nos nossos dias de caraterísticas e modos de celebrar que muito pouco ou nada tem a ver com o Natal cristão e a maneira como ele devia ser comemorado na fé.

Natal, passou a ser na nossa cultura e Sociedade uma quadra festiva generalizada, mas muito reduzida a uma dimensão humana e material, ofuscada pelo brilho do consumismo e pelo açambarcamento material. Infelizmente, aguarda-se com mais ansiedade e expetativa, o Pai-Natal que tem de trazer prendas do que o Menino Jesus que deseja trazer vida, ternura e Paz! E, se é verdade que o Natal é uma boa e bela oportunidade para a família se encontrar para partilhar a ternura e a alegria, também é verdade que para muitos, o Natal é tão somente isso!

Natal tem de ser muito mais que uma festa da família e muito mais que um clima ou momento fugaz de boas intenções e votos de muita saúde e prosperidade.

Natal, Natal é Deus a morar no meio de nós

Natal, Natal é Deus a morar no meio de nós. E onde Deus não tem lugar ou onde Ele não entra, não pode haver Natal de verdade. Ele é fonte da verdadeira alegria, Ele é a razão da nossa esperança, Ele é a Paz que nasceu em Belém, Ele é a Vida de que tanto precisamos. Assim, queira Deus que neste Natal, onde certamente nos havemos de estar privados de alguma coisa, às vezes nada importante, os nossos olhos se voltem para Aquele que é mesmo importante e essencial. Quer estejamos na dor ou na dificuldade, com problemas ou na solidão, perto ou longe dos entes queridos, O Menino – Deus Salvador sempre vêm. Feliz de quem O espera confiante e O acolhe, porque nesse a Paz e a plenitude não desaparecerão jamais.

Também faço um apelo a que pelo menos neste tempo forte da nossa fé, possamos esmerar ainda mais em matéria de solidariedade para com aqueles que mais precisam do nosso apoio e carinho. Não deixemos ninguém confinado nem afastado, e apesar de estarmos com máscaras na cara, retiremos as máscaras do coração, para vivermos com mais transparência e amor!

apesar de estarmos com máscaras na cara, retiremos as máscaras do coração, para vivermos com mais transparência e amor!

O Papa afirmou recentemente que não há pandemia ou crise que possam “apagar” a luz do Natal. Como fazer Jesus presente nestes tempos difíceis para a humanidade?

Eu estou convicto que este tempo de pandemia é uma ocasião favorável para fazer Cristo presente na vida das pessoas. O medo e a insegurança que muitos têm vivido, a dor e o sofrimento que bateu à porta de muitos irmãos nossos, o dar-se conta que o cenário deste mundo é passageiro e que sozinhos não nos salvamos, nem nos bastamos a nós próprios, tem aberto caminho em muitos corações para a vida espiritual e para a busca sincera de Deus.

Deus é a resposta em qualquer situação da nossa vida. Como dizia, o discípulo Pedro a Jesus: “a quem iremos nós Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna!” (Jo 6, 68).

Os momentos de crise que Deus nos permite viver, não porque não ama, mas porque às vezes sabe que é bom para nós, são excelentes oportunidades de reflexão sobre a vida e de crescimento. Andávamos demasiados distraídos e agarrados ao acessório, passageiro e supérfluo. Talvez esta tempestade que se abateu inesperadamente sobre a humanidade inteira nos faça despertar para aquilo que é mais importante.

Os momentos de crise que Deus nos permite viver são excelentes oportunidades de reflexão sobre a vida e de crescimento

Mas, voltando à pergunta: Como fazer Jesus presente nestes tempos difíceis para a humanidade? Nós devemos sempre, sobretudo nos momentos mais difíceis, ser uma voz de esperança e um gesto de consolação e conforto. Como Cristo que veio à procura daqueles que mais precisavam para lhes aliviar e dar a Paz, assim os seus discípulos, devem estar junto das pessoas para serem eles mesmos, por palavras e atos, um sinal do Deus de amor que nos ajuda a superar o medo e a angústia.

Será esta uma oportunidade para se celebrar o Natal verdadeiramente cristão, sem a azáfama das festas pagãs que nada têm de religioso?

Sim, na linha do que afirmava mais acima, limitados como estamos e privados de algumas coisas às quais nos agarramos de forma desenfreada e louca, talvez este ano, possamos dar conta que Natal é outra coisa, porque a vida também é outra coisa.

O verdadeiro sentido da vida, nós o encontramos dentro, não fora, nem na agitação e na correria a que estávamos acostumados. Natal é Deus que o fez e continua a fazer. Nós temos sempre a liberdade de acolher este dom ou não. Feliz de quem se decide por esta modalidade de viver e celebrar o Natal.

Como é que o Bispo de Mindelo gostaria que se celebrasse este Natal?

O presépio nos fala de simplicidade, de pobreza, de ternura, de alegria. O presépio nos interpela e nos conduz ao Menino que a Virgem nos deu, nos convida a acolher o melhor presente que Deus deu à humanidade. Então, a melhor celebração do Natal, seria viver e partilhar a alegria e o amor que nos vêm de Deus; arranjar espaço nos nossos corações, nos nossos lares e nos nossos esquemas para Deus vir habitar no meio de nós e para sermos nós uma prenda agradável, generosa aos nossos irmãos.

Que mensagem aos seus Diocesanos e a quantos nos acompanham?

Enquanto há esperança há vida! Que enquanto durar esta tempestade, saibamos permanecer unidos e solidários na barca, que é esta aventura da vida em Sociedade, porque sozinho ninguém se salva!

enquanto durar esta tempestade, saibamos permanecer unidos e solidários na barca

Este tempo será um mau bocado da nossa história se não aprendermos nada com ele e sobretudo se não nos convertermos a vida mais humana. Nada tem tanto valor na nossa vida como os outros que Deus colocou ao nosso lado para exercitarmos a fraternidade e amizade! “A felicidade consiste mais em dar do que em receber”, disse Jesus (Act 20, 35). Esta lição, o mundo precisa de aprender.

Este tempo será um mau bocado da nossa história se não aprendermos nada com ele e sobretudo se não nos convertermos a vida mais humana.



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