Nem mensagem, nem mensageiro!

Na sua mensagem aquando da promulgação do Orçamento de Estado para o ano 2022 e, quando ninguém esperava, eis que o Presidente da República (PR), ao seu estilo de querer liderar todas e todos, brinda os cabo-verdianos com recomendações sobre os méritos e deméritos do orçamento que, pasmem-se, já tinha sido aprovado pela Casa Parlamentar.

Para os incautos, trata-se de uma mera recomendação ou se quisermos de uma mensagem cheia de inquietudes, mas cujo objetivo era claro: passar a imagem de estar de fato a liderar o Governo, com recomendações imbuídas de poder tutelar inexistente no quadro constitucional em vigor.

Ao assumir uma posição messiânica em matéria de índole eminentemente económica, o PR correu um grande risco: o de, através de um contraditório fundamentado, a sua mensagem e posições, nesta área onde a contraparte tem um significativo aparato técnico, serem reduzidas a simples opinião ou, pior ainda, a pouco mais de uma doxa, como diriam os helénicos.

Senão vejamos: O PR disse por exemplo que: “com a aprovação do aumento do limite de endividamento interno, de três para 6%, Cabo Verde ficou ainda muito mais exposto aos problemas críticos da insustentabilidade da dívida pública, com todas as consequências daí advenientes, no futuro próximo”. Uma afirmação cheia de adornos e floreados, mas sem atrativos para contemplação e sem alcance económico conforme se demonstra de seguida.

Antes da pandemia, a divida pública estava claramente em sentido descendente e, tomando o ano 2019 como referência, a economia a crescer 5,7%, a inflação a situar-se em torno de 1,1%, a dívida pública, em termos do PIB, a situar-se em torno de 124% e o saldo global, em -2,4% do PIB.

Depois veio a Covid-19 e o resto da história é conhecida.

Na presente conjuntura, em que a economia precisa, desesperadamente, de liquidez, e   que o Estado consegue financiar-se internamente as taxas de juros em média, cerca de 1%, quando ajustadas pela inflação mostra que o mercado não está preocupado com a divida, mas sim com o andamento da economia. De fato, seria uma idiotice, na atual conjuntura não se aproveitar o aumento do limite do endividamento conseguido para injetar mais liquidez na economia e ajudar a recuperação económica.

Esta é uma receita keynesiana clássica que se aprende nos primeiros anos de economia: quando a economia está depressiva, os estímulos fiscais são a resposta certa, pois, na gíria keynesiana a” minha despesa é o rendimento do outro e a despesa do outro é meu rendimento”.

É o multiplicador keynesiano em ação.

Por outro lado, a questão da sustentabilidade de divida não se coloca neste momento pois, todos os dados indicam que o país não tem nem um problema de solvência nem de liquidez.

Se não temos problemas a este nível, porquê inventá-los?

Sobre a sustentabilidade da dívida e sem querer alongar numa matéria complexa, não querendo também deixar a impressão que a divida não é um problema, diria que há um consenso entre economistas, que quando a taxa de juro for inferior à taxa de crescimento sustentável da economia, a divida não é um problema no curto prazo sendo certo que ela não pode aumentar infinitamente.

Dito doutra forma, apesar do alto nível endividamento, ceteris paribus, o crescimento económico acabará por superar a divida, conforme se espera a partir de 2023 e, tudo indica, que Cabo Verde vai crescer acima ou muito perto do seu potencial nos próximos tempos.

Então qual o problema?

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Lançar o alarme sobre a insustentabilidade da divida nesta conjuntura, parece-me desproporcional sobretudo quando se aponta “entre as consequências a falta de credibilidade externa para a contração de mais dívida externa” ou a outra ideia “zombie” de Cabo Verde estar “a hipotecar o futuro da sua população em favor do consumo de hoje”, uma posição cataclísmica da situação orçamental não sustentada por fatos rigorosos e fundamentados.

Na atual circunstância o futuro começa hoje e, contas feitas, o Estado precisa de gerar excedente primário em terreno positivo para estabilizar o rácio da divida PIB, nada impossível uma vez ultrapassada a fase pandémica que vivemos, tendo em conta que o saldo primário em percentagem do PIB foi de 0,2% em 2019, altura em que o rácio da divida em termos do PIB estava com declive descendente.

Duas outras passagens na mensagem do PR, que merecem a nossa reflexão, têm que ver, em primeiro lugar, com a afirmação segundo a qual: “do enorme peso do serviço da divida e as suas consequências”, quando se sabe que a divida externa, a parte substancial da divida publica, é maioritariamente concessional, o rácio serviço da divida externa /exportações situou-se em torno dos 6% e os juros do serviço da divida externa em 1% do PIB em 2019. Como alguém me disse, noutro dia, e muito bem “cada um tem direito à sua opinião, mas não aos seus próprios fatos”.

Ainda, a propósito dessa ideia peregrina do PR sobre a divida provocar: “um enxugamento da liquidez”, afinal o que quer dizer? Se a divida é externa, nesse caso o efeito é o contrário por causa do regime cambial de paridade fixa e liberdade de circulação de capitais. Se o Estado emite obrigações internamente, seguramente, serão os bancos o INPS a adquiri-las. Neste caso, quando o Estado pagar, com as receitas das obrigações, as despesas que incorre, essa liquidez volta de novo ao sistema bancário, engrossando os depósitos das empresas. Em ambos os casos a massa monetária, M2, (dinheiro em sentido lato) seguramente aumentará. A isto chama-se o multiplicador monetário a funcionar. Certo?

Mais duas notas só para finalizar: Essa de: “mais de metade dos impostos que os cabo-verdianos pagarão em 2022 será utilizada para a amortização e o pagamento de juros da dívida soberana”, não é exclusivamente para o pagamento das dívidas contraídas no Governo de José Maria Neves, hoje Chefe de Estado? Afinal não foi no seu governo que se privilegiou o “crescimento extensivo”, em circulares, anéis rodoviários incompletos e estradas numa ilha com custo médio de 4 milhão de euros por Km2?

Por último, o que o PR quis dizer com “ou falta de um quadro macroeconómica e macro-fiscal alternativo,” ou “a falta de recursos para os investimentos imprescindíveis e/ou absolutamente necessários” que considera ser uma falha grave? Que quadro alternativo e que investimentos imprescindíveis são esses?

Termino dizendo que às vezes pode ser mais conveniente “ser peixe médio num lago pequeno do que peixe grande num largo oceano”.

Luís Carlos Silva

Deputado da Nação



3 COMENTÁRIOS

  1. Boa Luís!
    E o Sr. Presidente agora está esclarecido com as suas lições de economia e nunca mais vai falhar… E melhor, até vai dispensar o Serra e aconselhar-se junto do ilustre deputado. De graça.

  2. “com a aprovação do aumento do limite de endividamento interno, de três para 6%, Cabo Verde ficou ainda muito mais exposto aos problemas críticos da insustentabilidade da dívida pública, com todas as consequências daí advenientes, no futuro próximo” (Sic). JMN já evidenciou em diversas ocasiões que tem enormes dificuldades para “metrizar” ou dominar a língua portuguesa, como bastas vezes assinaladas seja por Casimiro de Pina, seja por Apolinário das Neves. De resto, o seu discurso de posse como PR é uma manta de retalhos, a manter longe das crianças, tal o mau uso que faz do idioma de Camões. Não é correcto dizer-se ou escrever “problemas críticos de insustentabilidade”. Porquê? Porque a insustentabilidade é que é o problema. Logo, há uma redundância desnecessária. O correcto é PROBLEMAS CRÍTICOS DE SUSTENTABILIDADE, ou simplesmente “ficamos expostos aos efeitos de uma dívida insustentável”. Este mesmo erro está evidenciado em vários textos do filho primogénito do JMN, induzindo as pessoas a crer que JMN lançou mão do dos escritos (errados) do filhote. Obviamente, sem plágio!

  3. Aí está um grande peixe nadando num grande lago Baleia Luis nadando no oceano dando lições de econommia aos acessores do presidente

Comentários estão fechados.