O caso particular de São Vicente

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Ninguém pode negar a história de São Vicente. Ninguém nega a história de outras ilhas. Cada uma delas tem os seus encantos e as suas características específicas, tanto morfológica, culturais, até pequena diferença fisionómica, hábitos alimentares diferentes, costumes, particularidades na música e na dança e no grau de formação escolar e académica.

Mas é esta diversidade das ilhas e a diversidade da sua população que fazem de Cabo Verde um país único no mundo!

E é essa riqueza cultural que nos identifica como Nação, reconhecida hoje o seu valor a nível internacional. E a Cesária Évora foi mais de que um exemplo dessa riqueza!

Essa diversidade sendo reconhecidamente a maior riqueza que temos, ela tem, infelizmente, as suas fraquezas.

E essa fraqueza que é pequena, gera em nós uma certa expressão de rivalidade, um certo espírito de competição entre as ilhas. E por sermos de uma ilha diferente, isso criou em nós um espírito de pertença.

Essa realidade de ilhéu conduziu-nos a uma reação e comportamento de defesa da nossa ilha natal.

Esse tipo de comportamento que à partida deveria ser salutar, se não houvesse certos exageros e não beliscasse a nossa pertença maior, que é Cabo Verde .

Não posso deixar de reconhecer que a rivalidade mais acentuada entre as ilhas, é aquela que sempre existiu entre São Vicente/Praia.

E estou convencido de que nos últimos tempos esse fenómeno tomou um outro contorno e passou a ser aproveitado pela política.

Por mais que se negue, que se diga o contrário, a verdade está aí, de forma cristalina!
E é claro que ninguém esperava uma confissão dos autores desse aproveitamento político.

Reparem, dizem eles “não, nós somos independentes, nós somos a sociedade civil”. Independentes de quê? Da política? Somos a sociedade civil? Então, os partidos políticos, as pessoas que votam neles, são militares, são para-militares? Não são da sociedade civil?

Um movimento que sequestra no meio da estrada um primeiro-ministro, que pede a demissão do governo, que pede a demissão de uma Câmara Municipal, que chama de crápula e manhento a um ex-primeiro-ministro, Dr. José Maria Neves, e insulta de igual forma o actual primeiro-ministro, Dr. Ulisses Correia e Silva, insulta o Vice-primeiro-ministro, Dr. Olavo Correia, passa a vida a insultar todo o mundo nas redes sociais, chamando-o de crápulas, manhentos; aldrabão a todo o mundo, com essa vergonhosa postura pública esse movimento tem a moral de apontar caminhos a esse país ?

Por amor de Deus!

Muita boa gente anda enganada por esses heróis de plástico, que só apareceram agora, após o berro e a crise da Europa!

Digo e repito, se as reivindicações se confinassem aos puros e naturais interesses de São Vicente, mesmo se houvesse algum exagero, mesmo com alguma rivalidade, ninguém podia ser contra. Era a democracia a funcionar! Mas, não é isso que está a acontecer.

Com essa postura, esse movimento sobreviverá até quando conseguir tirar proveito da rivalidade existente e colocar a culpa do maldito fenómeno do centralismo na Praia!

O centralismo não é culpa da cidade Praia! É culpa da forma como foi estruturado o poder político em Cabo Verde! O centralismo neste país vem de longe, não é de agora.

A cidade da Praia nada tem a ver com a história do centralismo! O centralismo é do poder político, não é de uma cidade!

Se o poder central estivesse localizado em Santa Catarina, em Santo Antão, no Fogo, e mesmo em São Vicente, a culpa era da Praia?

E São Vicente não pode ter o seu caderno reivindicativo, exigindo tudo aquilo que necessita, sem estar na competição com as outras ilhas, sem estar a brigar com as outras ilhas?

Que briga é essa? Reivindicar que uma obra tal não deve ser feita na ilha tal, devia ser aqui na minha ilha? O campus universitário foi desviado de São Vicente para a Praia (sabe-se que é mentira: o José Maria Neves desmentiu isso e o dito chefe do movimento chamou-lhe de crápula).

Reivindiquem o Campus Universitário para vossa ilha e pronto!

Reivindiquem tudo o que entenderem, sem colocar a Nação em pé de guerra, sem lançar ilhas contra ilhas!

Nenhuma ilha está acima de Cabo Verde! Cabo Verde é a nossa bandeira!

Esse movimento sobreviverá até quando conseguir tirar proveito de um crescente sentimento contra a existência de partidos políticos, dos políticos em geral, das instituições democráticas e até quando conseguir aproveitar das naturais falhas do sistema político cabo-verdiano.

Porquê? Porque só conseguem mobilizar as pessoas, se houver uma motivação forte. E qual é essa motivação? Ela é, infelizmente, a rivalidade histórica que existe entre Praia/São Vicente, quase no mesmo sentido da rivalidade Lisboa/Porto ou Paris/Marselha.

Porquê? Porque as instituições políticas, incluindo os partidos políticos, os políticos em geral estão a abrir flancos, flancos esses facilmente aproveitados pelos populistas.

É só ver o tipo de comentário que se faz no dia-a-dia e, sobretudo nos últimos tempos no Facebook. Não há por onde negar isso !

Ninguém nega que o centralismo ou poder centralizado não existe. Ninguém o nega. Ele vem desde da época colonial. E talvez ele foi reforçado após a independência.

Esse fenómeno não é culpa de uma cidade, muito menos da cidade da Praia.

O centralismo é do poder e não de uma cidade; vem da natureza do poder que se criou no país. Do perfil das suas estruturas e da forma como o Estado foi criado.

E por ser um país arquipelágico a tendência foi concentrar o poder e não permitir a sua descentralização.

O MpD trouxe o municipalismo às ilhas. Foi de facto um passo, mas não foi suficiente. Tentou-se a Regionalização, mas esta foi chumbada no Parlamento. E os regionalistas nem sequer demonstraram-se indignados. Nem sequer saíram à rua.

Esse era o maior momento de indignação? Porque razão isso não aconteceu ? Sabemos as razões!

Esses movimentos aparecem e desaparecem! É uma questão de tempo.