O culto da “nomenklatura”

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“É melhor tentar e falhar que ocupar-se em ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão, que nada fazer. Eu prefiro caminhar na chuva a, em dias tristes, me esconder em casa. Prefiro ser feliz, embora louco, a viver em conformidade. Mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma grande realização. Mesmo se eu soubesse que amanhã o mundo se partiria em pedaços, eu ainda plantaria a minha macieira. O ódio paralisa a vida; o amor a desata. O ódio confunde a vida; o amor a harmoniza. O ódio escurece a vida; o amor a ilumina. O amor é a única força capaz de transformar um inimigo num amigo…”  Martin Luther King

Parece existir na cabeça de muitos a ideia de que há gente que já nasce para ser qualquer coisa, e há a que já vem marcada para não ser nada.

Subjacente a essa forma de pensar estaria uma espécie de segregação, parecida com organização em castas, em que segmentos da sociedade são considerados aptos e não aptos para determinadas missões, em função de uma falsa condição metacultural e não em resultado do trabalho e da capacidade demonstrado.

Essa estratificação acontece de forma expressa em determinadas sociedades, como a indiana tradicional, onde as regras são claras: há os que nascem para ser dirigentes (por exemplo os herdeiros das virtudes de brahmas) e outros que são predestinados a serem serviçais, caso dos dalits).

Pelo menos, nessas sociedades as regras são claras, e não se discute aqui a sua bondade e o seu impacto na organização social e na reprodução das desigualdades. O que se destaca aqui, nesses tipos de sociedade, é que o mérito intrínseco da pessoa não conta para nada, o que conta, na realidade, é a sua origem social, fato que lhe confere um status maior ou menor, independentemente do que é ou tenha feito. Ou seja: nessas sociedades aqueles que nasceram para ser serviçais, por mais que tentem, empenhem e lutem não passarão de simples ajudantes.

Esta é a triste sina e uma estranha condição daqueles que fatalmente não se libertarão da lei da morte, já que as portas de ascensão social lhes estão vedadas por razões históricas e culturais, cuja existência se fica a dever ao ritualismo impostos por dominadores de ocasião e de circunstância.

Entre nós existe uma ideia difusa que prevalece na mente de alguns setores de que há gente que nasce predestinada. Essa ideia enraizada faz com que os mesmos estejam prontos para fazer a defesa acesa desses supostos eleitos, em nome daqueles que julgam fazer parte dessa elite. Serão geralmente os nossos “dálits assimilados” a fazer este papel que, em regra, se traduz em endeusamento e na promoção do culto dos nossos herdeiros de “brahmas”.

Na política essa transmutação dos “dalits” é mais evidente. Fazem tudo, às vezes, até o impossível, para agradar o seu senhor predestinado. Mesmo quando estão cientes de que o seu senhor não tem hipóteses, que não tem a salvação possível. Fingem que não sabem, que não veem e que não ouvem nada, absolutamente nada do que é produzido e divulgado fora do seu circulo, sobretudo quando o que sai para fora não seja do seu agrado.

Os assimilados da nomenclatura não só louvam o seu eleito, mas combatem todos os que ousam desafiar o status quo. Lançam mimos, apoucam e rotulam aqueles que desafiam os seus senhores, chamando-lhes de entes menores, como se não fossem cidadãos.

Não seria um caso espantoso, se essas ações fossem despoletadas por aqueles que se julgam superiores. O problema é que esse “trabalhinho sujo” é feito por assimilados da cultura de nomenclatura, e eles sabem e conhecem a sua situação de que não passam de simples serviçais na ótica dos seus senhores. É este o drama dos assimilados: são pretos, mas odeiam os pretos, amam e vivem para os brancos, mas não são e nunca serão brancos.

Historicamente, a ascensão social das classes mais desfavorecidas se deu através de lutas, quer no plano de classe quer no da cultura e da política.

Até se alcançar o direito a um homem um voto, por exemplo nos Estados Unidos da América, foi preciso fazer-se uma grande caminhada, às vezes com muitos escombros no percurso. Para se chegar lá foram precisos homens e mulheres de coragem e determinação como Rosa Parks, Martin Luther King, Malcom X, Thurgood Marshall, Huey Newton e Bobby Seale e muitos outros, e alguns deles, tiveram que pagar com a própria vida o preço da ousadia de lutar por direitos iguais.

Rosa Parks, a costureira negra, ficou com o seu nome gravado para a história quando a 1º de dezembro de 1955, na cidade de Montgomery, no Alabama, ela se recusou a levantar para que um branco se sentasse em seu lugar no autocarro, tendo sido presa, julgada e condenada por isto.

Na mesma linha da rebeldia contra a ordem estabelecida, o estudante negro James Meredith, no dia 1º de outubro de 1962, decide tentar matricular-se na Universidade do Mississippi, mas foi impedido, com base no princípio de segregação racial. Foi preciso o Presidente John Kennedy enviar cerca de 5 mil guardas nacionais para garantir a sua inscrição.

A marcha sobre Washington em 1963, liderada por Martin Luther King foi o ponto alto da contestação e da reivindicação dos direitos civis por parte da população negra. A marcha mobilizou um quarto de milhão de pessoas, provenientes de praticamente todos os cantos da América, integrando negros, mas também brancos que apoiavam o fim da segregação racial.

Pois, é com este pano de fundo que a 2 de julho de 1964, o Presidente Lyndon Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis, proibindo a discriminação racial, e para fechar o ciclo, a 10 de agosto de 1965, o Congresso aprovou a Lei de Direito ao Voto.

Ora, sem a luta travada por Rosa Parks, Martin Luther King, Malcom X, Thurgood Marshall, Huey Newton e Bobby Seale, não seria possível eleger-se em 2008, 45 anos depois do discurso “I have dream” de Luther King, um negro na presidência dos Estados Unidos da América.

Barack Obama teve de enfrentar, na disputa presidencial, uma grande figura da América e um combatente da guerra de Vietname, o Senador John Mc’Cain. Barack Obama ousou e venceu, dando cabal expressão aquele dito de que a sorte acompanha os audazes.

Toda esta incursão pela história americana tem o fito de mostrar que, contrariamente a ideia de predestinação, só triunfam àqueles que ousam desafiar a ordem estabelecida. Os fracos, os assimilados, os resignados e conformistas nunca saem do conforto do “eu não”, “não nasci para isso”, “não tenho hipóteses”, “aquele é atrevido”, “não é lugar para ele”.

Como nos ensina de forma magistral o Luther King: “É melhor tentar e falhar que ocupar-se em ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão, que nada fazer”. O que temos de fazer depende de nós, da nossa vontade, da nossa coragem e da nossa convicção; não devemos deixar-nos condicionar pelos assimilados agoirentos que tudo fazem para nos convencer que nós não temos perfil, que não temos curriculum nem tarimba ou que esse lugar não é para a gente.

O preto Obama desafiou e venceu o clã Clinton para a nomeação democrata, mesmo tendo em conta o poderio e manancial de meios e influência da família Clinton.

Para os que queiram ter sucesso e mudar o que parece impossível, tem aqui a receita do Obama: começou com YES, WE CAN; passou-se para YES, WE NEED; e terminou com YES, WE DID.

Precisamos quebrar certos mitos e tabus, em nome da verdade histórica, mas também em nome da saúde de nossa democracia.

Sim, é necessário!



1 COMENTÁRIO

  1. Pois é, caro JAR. Quem assim fala, de gago nada tem! Só errou nas latitudes e longitudes. A Leste da “Cortina de Ferro” e seus aliados, inclusivamente, aqui em Cabo Verde, os exemplos abundam. Escolher a América para dissertar sobre algo que a própria Constituição Americana condena, e deixar de fora regimes totalitários (de esquerda e direita) onde o culto à (e não da) nemenklatura era lei, só pode ser uma doença de esquerda.

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