O exercício de cidadania plena

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“…se você tem 9 horas para cortar uma árvore, use as 6 primeiras para afiar o machado…” – ABRAHM LINCOLN

A sociedade cabo-verdiana parece, ainda, um pouco refém de um certo receio difuso e inconsciente, derivado de um condicionalismo histórico que, infelizmente, frena e condiciona a sua capacidade de se afirmar e agir como uma comunidade livre e genuinamente democrática.

Amiúde aqui acolá surgem manifestações desse receio, ora se socorrendo da omissão do que tem de ser dito, ora fazendo recurso do pseudónimo e falsos perfis para afirmar o que não se tem coragem de colocar a impressão digital, ora, ainda, fazendo uso de insultos e ataques pessoais para condicionar os que ousam emitir a sua opinião publicamente.

Passa-se a ideia que só tem a liberdade plena de exprimir a sua opinião, mesmo que seja a mais disparatada possível, a elite que se encontra vinculada a partidos, porque claramente amparada por uma rede de proteção tecida de cumplicidades, como se uma sociedade fosse composta apenas por membros de partidos.

A liberdade que muito custou a conquistar no nosso país, não pode ser trucidada por uns tantos que se acham, e mal, donos disso tudo. Pretendem, esses pretensos democratas, autoproclamar-se como “os melhores democratas da nossa terra”, cujo estatuto simétrico se julgava ter sido enterrado em 1991.

Convém recordar a alguns desses “democratas” que o que aconteceu em 1991, foi a instauração de um regime democrático, tendo como pilares básicos os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos.

As liberdades conquistadas, com a vigência da democracia, são para ser plenamente exercidas, sem medo e nem receio, tanto por aqueles que exprimem a sua opinião publicamente como por os que se teimam em manter na “clandestinidade” ou de “cabeça encapuzada” em plena estação de democracia e de liberdade.

Esconder-se por detrás de perfis falsos ou de pseudónimos, porque não se tem a coragem em assumir a opinião própria, é para além de uma manifestação de cobardia, também um elemento definidor do carácter dos que se enveredam por esse caminho.

O uso desse instrumento, em plena democracia, onde é garantida a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, demonstra, até que ponto, que, ainda, alguns não conseguiram interiorizar os valores da democracia, do pluralismo e do respeito pela opinião contrária como elementos essenciais numa sociedade que vive e convive com a diversidade.

Outrossim, nos parece que os órgãos de comunicação social, que dão guarida aos que têm medo ou vergonha de se assumir publicamente as suas opiniões ou posições, estão a prestar um mau serviço à democracia e à liberdade de expressão pelos simples fato de estarem a estimular condutas clandestinas e ao “jogo de se atirar com pedras” e esconder a mão, postura essa que em nada contribui para o exercício pleno de cidadania e do debate transparente e democrático de ideias.

O espaço público não foi concebido para essas práticas que do ponto de vista ético e democrático ficam nas antípodas do comportamento cívico exigido ao cidadão maior e portador do bilhete de identidade.Parece persistir na cabeça de alguns o pensamento único e totalitário, apesar de fazerem discurso no sentido oposto. Não debatem e nem rebatem os argumentos e posições de outrem com as armas próprias e aceites em democracia, e preferem travestir-se em “atiradores furtivos” e fogem cobardemente do confronto cara-a-cara.

Na forma de pensar de alguns, ainda, persiste a ideia, apesar da cosmética democrática, de que nos encontramos em pleno “processo revolucionário em curso”, como se em 1991 tivesse ocorrido uma revolução. Não, senhores democratas recauchutados! Não houve revolução no nosso país, aconteceu sim uma mudança democrática, pacífica e organizada.

As mudanças introduzidas pelo poder democrático, legitimamente instituído, mexeram com alguns interesses instalados, com práticas inadequadas ao novo contexto político e romperam com alguns rituais e simbolismos caraterizadores do regime anterior. Mas verdade seja dita, tudo foi feito dentro das regras e procedimentos próprios dos rituais da democracia: não houve, como não pode acontecer em democracia, “limpeza étnica”.

Com a aprovação da constituição de 1992 e a consagração dos principais elementos caracterizadores de um Estado de Direito Democrático, impôs-se, claramente, uma rutura com o regime que admitia e sustentava a tese de superioridade moral de alguns cidadãos. A partir de 1991, começou o período de igualdade dos cidadãos, de todos os cidadãos, perante a lei: esta é a marca indelével do novo regime e do poder democrático legítimo, então instalado.

Pretender, como alguns pretendem hoje, ostentar um estatuto de superioridade moral a ponto de quererem negar o direito de, uns tantos, pensarem diferente, de opinarem diversamente ou de não terem, simplesmente, opinião, e de os rotular como pertencentes a este ou aquele partido por causa da sua posição expressa, negando-lhes o estatuto de independentes ou apartidários, é entrar simplesmente num totalitarismo partidocrático do pior que poderá existir.

Parece que, sem se darem conta, “os novos democratas” estão a querer proclamar a “Grande Revolução Cultural” onde tudo o que se possa cheirar a opinião contrária tem de ser banido, em nome de um pensamento único ou, melhor, de uma sociedade de partidos e para partidos.

Chegamos a um ponto inconcebível em que se alguém se pronunciar sobre uma matéria e a sua opinião coincidir com um dos partidos, logo essa pessoa passa a ser conotada como sendo desse partido, porque os “novos democratas” não suportam que alguém emita uma opinião autónoma e independente. Essa atitude, prevalecente na sociedade cabo-verdiana, aplica-se a todos os atores do sistema partidocrata existente, comportamento e postura impensáveis numa democracia madura e culturalmente sedimentada.

As perguntas que nos perseguem são estas: Que paranoia é essa?

Que exercício de cidadania se pretende promover?

Ora, com esses “democratas”, assim como todos aqueles que pensam da mesma forma, não será possível empoderar a sociedade civil cabo-verdiana, porque os mesmos pretenderão que se mantenha refém da sua postura paternalista e dominada e manietada pelos seus tentáculos.

Não há democracia viva e atuante, sem uma sociedade civil independente e que exerça, plenamente, a sua cidadania, sem tutela, sem temor e sem condicionamento. E é bom que os novos “democratas” estejam cientes disso, caso contrário a nossa democracia não passará de uma mera figura de retórica, até que um dia o povo se revolte, democraticamente, contra ela.

Libertar a sociedade civil cabo-verdiana do controlo e da dependência dos partidos se afigura com uma tarefa extramente difícil, para não dizer impossível, tendo em conta o grau de diversas vulnerabilidades que atravessa a nossa sociedade.

Tarda em emergir e se desenvolver um setor privado empregador, que não dependa do Estado, e que seja o fautor da afirmação da sociedade civil, contribuindo, decisivamente, para a emergência de classe média, cuja ascensão social não se faça atrelado ao Estado. Quando isso acontecer, estarão reunidas as condições para que sejam dissipados os receios e a auto-limitação reinantes, mas, também, e simultaneamente, os novos “democratas” sintam o seu campo de ação condicionador limitado, sendo, nesse quadro, impossível de utilizar a sua posição no sistema para menorizar ou catalogar os cidadãos deste país de acordo com os seus códigos valorativos.

Outrossim, demora, ainda, a afirmação de uma instância que se possa assumir como centro de produção de ideias, de pensamento e de estratégias de desenvolvimento e que seja independente, científica e tecnicamente. Essa tarefa deveria, sem dúvida, ser liderada pelas universidades e por diversas organizações da sociedade civil, e seria um espaço independente de produção de um pensamento autónomo, capaz de influenciar a vida pública e de ser um auxiliar importante dos poderes públicos legitimamente estabelecidos, incluindo dos partidos políticos.

O país tem, necessariamente, de avançar nessa direção, para que possamos, no futuro, ter uma democracia plena, em que o exercício de cidadania não poderá ser vista como uma ameaça a quem quer que seja, mas, apenas, como uma manifestação inerente à prática democrática.

Infelizmente, muitos persistem, para o mal dos nossos pecados, em querer cortar a árvore, sem antes afiarem o machado.

Enfim, é a vida!

P.S.: Vê-se, pela reação no espaço reservado a comentários, que muita gente ficou incomodada com o conteúdo do último artigo de opinião sobre as presidenciais de 2021.

Ficaria preocupado se a matéria não tivesse apoquentado o espírito de certas pessoas, embora esperasse que a reação fosse balizada pela urbanidade e pelo uso de um argumentário em que a racionalidade imperasse.

Usar pseudónimos e perfis falsos, em espaço reservado para o debate de ideias, para apoucar, insultar e distorcer o que foi dito pelo autor do artigo, não rima com a praxe democrática e, essa atitude não ofende o autor, mas sim a própria democracia e a liberdade de opinião, direitos que foram conquistados e consagrados na constituição da república para que todos pudessem exprimir-se livremente.

O autor do artigo reafirma que a informação que veiculou é verdadeira, e foi obtida a partir de um barómetro que estuda a evolução da intenção de voto dos cabo-verdianos. Os dados são produzidos mensalmente e a recolha já dura há já algum tempo, fato que permite medir a tendência do eleitorado, bem como outras variáveis importantes, oferecendo-se elementos de análise e ponderação, sobretudo aos que queiram tomar decisões assertivas.

O autor reafirma, ainda, que se a situação política se mantiver tal como está agora ou se as eleições tivessem lugar no mês que se produziu o último barómetro, num cenário de confronto entre Carlos Veiga e José Maria Neves, este ganharia na primeira volta e com larguíssima vantagem.

Não é o autor que o diz, é o barómetro que o afirma.

Ora, para quem queira comportar-se como avestruz, o problema, certamente, não é do autor do artigo.

Ademais, o alerta está dado!



3 COMENTÁRIOS

  1. Fez muita mossa muita na mente do autor, comentários que desmontam as “teorias de adivinhação” e o uso endivido do “PS”. E não é que volta a cometer os mesmos erros: condicionar os (e) leitores. Deveria, antes, simplesmente agradecer aos seus leitores, caro JAR. Porém, estou em crer que o “www.opaiscv” fica muito mais feliz com leitores críticos e audazes do que um colaborador adivinho.

  2. JAR você é muito teimoso. Ninguém está aqui interessado em saber, se, daqui por dois anos e meio, entre o Veiga ou Neves, quem será vencedor do pleito presidencial. Somente você está interessado nisto. O que se discutiu aqui são as suas ilusões, em considerar informações que “reputa de seguras”, se nem você, nem ninguém tem controlo sobre as mesmas. Não são informações seguras! São suposições suas. Ninguém faz uma sondagem com o prazo de validade para durar dois anos e meio! Acorda rapaz (…) oh oh oh! Não vê a contradição nas suas palavras? Você é muito cabeça dura! Ganhará as eleições, quem o povo escolher para ser Presidente da República, (…) e Tchau. Deixe de baboseiras!

  3. O homem faz uma longa e fastidiosa dissertação sobre a cidadania, dá lições sobre com exerce-la e exacerba fantasmas antigos que ele mesmo ajudou a criou (como melhores filhos deste, daquilo e dacolá). Tudo porque fez e faz uso indevido de alguns instrumentos estilísticos da linguagem escrita formal (reincidência) p.e. “ps” e foi objeto de reparos dos leitores que não se deixam enganar-se. Projecta vencedores e perdedores de um jogo que imagina acontecer daqui a dois anos e meio. E a culpa, claro é dos outros.

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