O NOSSO DIA NACIONAL

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“Meu Patriotismo não é exclusivo. Engloba tudo. Eu repudiaria o patriotismo que procurasse apoio na miséria e na exploração de outras nações. O patriotismo que eu concebo não vale nada se não se conciliar sempre, sem exceções, com o maior bem e a paz de toda a humanidade.” Mahatma Gandhi

No dia 5 de julho, como habitualmente, comemoramos o aniversário da nossa independência.

O dia dedicado a comemoração do aniversário da independência é especial na história de qualquer país, e entre nós, também não deixa de assim ser: uma data particular, que, sem dúvida, merece ser solenizado e popularizado, enquanto símbolo da nossa dignidade de homens livres e senhores do nosso destino.

A comemoração deste último 5 de julho, deixou-me inquieto perante a ausência de manifestação de cunho popular. A população, o povo, deveria ser associado a uma efeméride que transcende os egos individuais e grupais e se situa num plano mais geral e coletivo.

E por que isso não aconteceu? Só Deus sabe, e certamente não foi ditado por razões financeiras.

A comemoração deste ano centrou-se basicamente numa sessão especial da Assembleia Nacional e na deposição de uma coroa de flores, junto a estátua de Amílcar Cabral. Trata-se de uma forma de comemoração de um dia grande que sabe a pouco. Sabe a pouco porque de natureza eminentemente elitista e com carácter reservado a alguns poucos. Não teve aquele esplendor de um dia diferente dos demais, junto dos comuns cidadãos, porque nada foi programado para conferir ao dia um rótulo de chamada de atenção do povo para algo que merece ser recordado.

O povo não foi convocado para a festa de aniversário da independência, e espero que seja apenas um esquecimento momentâneo, um lapso provocado por inúmeras preocupações na gestão das dificuldades do país, e não a determinação de um formato definitivo onde ele não faz parte dos sujeitos implicados na perpetuação desse feito histórico.

O nosso dia Nacional foi demasiadamente discreto como se houvesse vergonha em dar-lhe todo o colorido que legitimamente tem direito.

Não vi e nem ouvi a banda musical a tocar fanfarras por entre os bairros da capital;
Não vi e nem ouvi falar de qualquer atividade sociocultural e desportiva alusiva a essa data especial;

Não vi e nem ouvi falar de desfile de crianças e jovens das diferentes escolas do país, empunhando bandeirinhas e cantando o hino nacional, com o propósito de incutir nelas o espírito nacional e patriótico;

Não vi e nem ouvi falar de atividades de mobilização social como, por exemplo, a promoção de concertos musicais, com os principais agrupamentos nacionais, arregimentando pessoas para partilha de sentimentos em torno da data e do que ela representa do ponto de vista simbólico;

Não vi e nem ouvi falar de promoção de debates e reflexão sobre a independência e as suas implicações nas suas diversas facetas, política, económica, cultural, social e identitário.

Não vi e queria ver:

Queria ver a televisão pública a transmitir, em direto, as cerimónias da Assembleia Nacional;

Queria ver e estava a espera de uma programação especial pela televisão pública, e não programas requentados, não tanto sobre como foi a luta pela independência, mas sobretudo sobre os desafios lançados ao povo cabo-verdiano, ontem e hoje, pela nossa ascensão à independência nacional;

Queria ver destacadas figuras nacionais no domínio da cultura, do desporto, da administração pública, da sociedade civil e ONG’s a serem distinguidas pelo seu papel e contributo em prol da nossa afirmação, enquanto país e Estado soberanos;

Queria ver o nosso patriotismo reafirmado e realimentado, através da injeção de elementos simbólicos germinadores da nossa cabo-verdianidade e potenciadora da nossa identidade.
Queria ver, certamente, muita coisa, mas, infelizmente, vi e ouvi pouca coisa.

Para amar a nossa pátria e morrer por ela, caso isso for necessário, é preciso que nos ensinem a amá-la. Para amá-la profundamente é preciso conhecê-la.

A Pátria, segundo alguns, é um conjunto de valores de costumes e sentimentos que caracterizam um povo, e se isso for verdade, então esses valores de costumes e sentimentos precisam ser promovidos e projetados para não se perderem no e com o tempo.

Ora se o patriotismo é, antes e acima de tudo, na perspetiva de uns tantos, uma união em prol de crescimento de todos, longe de ofensas e discriminações quer de ideias quer de crenças, então os patriotas, todos eles, deveriam unir as suas ideias, crenças e esforços em torno do crescimento solidário do espaço comum que vivem.

Todavia, o nosso patriotismo anda um pouco deprimido, ao lado de um acentuado défice de presença e de divulgação de simbologias que o alimenta.

Num país em que poucos sabem cantar o hino nacional, a televisão pública bem que poderia dar uma ajuda na divulgação da letra. Bastaria, apenas, passar a letra do hino no momento em que o toca ao encerrar a emissão.

Confesso que não gostei da forma como não comemoramos este 5 de julho, não por mim, mas pelo vazio e o nada que transmitimos às gerações vindouras.

P.S.: Este texto foi escrito há 14 anos, mas precisamente em julho de 2004. Pela sua atualidade, ressalvando um ou outro ponto, não resisti em republicá-lo, pela simples razão de ter visto e sentido algo semelhante de há uma década e meia atrás, na comemoração deste último aniversário da independência.

Ora, se a independência é um ato de cultura, incontornável se torna conferi-la esse status, e se se admitirmos que a cultura não é produzida administrativamente, mas sim pelo povo, então temos que aceitar que a comemoração de aniversário da independência deve envolver o povo, e que ela deve “bulir” com o seu orgulho nacional e patriótico.