PAICV não queria a abertura à democracia

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19 de Fevereiro de 1990, o PAICV fez o que todo o Regime Totalitário faz: abrir-se por dentro para continuar no poder, mas conservando a natureza totalitária do regime!

A Resolução do Conselho Nacional não podia ser mais enfática: Eis o que queria o PAICV:

“ 1. No quadro do aperfeiçoamento do sistema eleitoral nacional promover a introdução do princípio de listas concorrentes. Recomendar aos órgãos competentes do Estado a alteração da lei eleitoral para a Assembleia Nacional Popular, de modo a permitir, que nas próximas eleições legislativas, além do PAICV, grupos de cidadãos possam apresentar listas de candidatos”!

PAICV não queria a substituição do Regime de Partido Único pela Democracia Pluralista e pelo Estado de Direito!

A esta manobra política do PAICV, o MPD respondeu de pronto, tendo afirmado, de forma categórica, que “contrariamente às insistentes afirmações do PAICV, a democracia em Cabo Verde tem de ser CONSTRUÍDA e não aperfeiçoada porque, de facto, nunca existiu entre nós” (Declaração Política de 14 de Março de 1990).

A intenção do PAICV era clara e tinha por base o relatório secreto da Direção-Geral de Segurança Nacional, de 11 de janeiro de 1989 que dizia, entre outros, o seguinte:

“2. Uma questão política fulcral é a seguinte: qual o espaço de ação política que virá a ser permitido aos opositores do regime? Quais os limites dessa ação? Que tipo de respostas a a serem dadas? 7. No fundo, o problema que se põe é o de saber como gerir a abertura, isto é, até onde se poderá preservar o nosso sistema com esta abertura e que concessões terão que ser prevenidas”.

O PAICV queria um processo a conta-gotas dirigido de forma unilateral com o único objetivo de manter, como enfatiza o relatório secreto da DGSN, “o nosso sistema”!

Coerente com a sua estratégia de conservação do regime de Partido Único, que pretendia aperfeiçoar, e dentro das “concessões” recomendadas pela DGSN, se propunha aprovar uma lei de associações políticas em Maio de 1990 e aprovar a lei de partidos políticos em novembro de 1990 porque as eleições legislativas estavam previstas para fevereiro/março de 1991.

De forma inequívoca PAICV planeou uma eleição em que seria, à partida o vencedor antecipado, e desta forma legitimar o regime com um só partido a concorrer!

No entanto, o relatório secreto da DGSN, de 11 de 89, alertou o PAICV para a possibilidade de “organização de aliança (s) em vista à criação ou reactivação de grupo (s), partido(s) ou frente (s) organizadoras”, designadamente “Criação de figuras ou casos que possam vir a ser líderes ou fazer convergir os opositores”, mas o PAICV não soube ou não quis ler o resultado da eleição unipartidaria de 85 e o fracasso da sua política econômica e estava convencido que tinha uma larga base social de apoio.

Como disse Ondina Ferreira bastou um “clique” e este “clique” mobilizador foi o surgimento do MpD na arena política, deitando por terra toda a estratégia de conservação do regime do PAICV, através de um processo social e político jamais visto no Cabo Verde pós Independência.

PAICV foi de tal forma surpreendido com a dinâmica implementada no terreno que não teve outra saída senão negociar com um Movimento sem existência legal, mas com legitimidade social e política conquistada no terreno e pela entrega oficial da Declaração Política de 14 de Março de 1990 ao Presidente do PAICV e Presidente da República Aristides Pereira.

Em consequência, foi assinado o Memorando para a transição democrática em 21 de setembro de 1990, o instrumento que permitiu uma transição pacífica e negociada e a referência constitutiva da estabilidade política que vivemos no País. Sendo uma transição negociada muitas coisas ficaram pendentes, e serão trazidas para o debate público a seu tempo.

A terminar, uma vez mais, reafirmo que entre a Resolução do CN do PAICV e o desencadeamento de ações políticas, à luz do dia, em 1989 pelo Grupo que se transformou, num curto espaço de tempo, num Movimento e Partido político não existe nenhuma relação de causa-efeito, como pretende fazer crer a narrativa do PAICV. Eis os factos:

  1. O relatório da DGSN/Polícia Política é de 11 de setembro de 1989,
  2. O Manifesto, que se transformou em Declaração Política adotada a 14 de março de 90, foi aprovado a 19 de janeiro de 1990.
  3. Resolução do CN do PAICV foi aprovado a 19 de fevereiro de 1990.

O Grupo que aprovou o Manifesto era constituído por 20 pessoas, tendo assumido como objetivo “Organizar um Movimento Democrático para concorrer às eleições deste ano, com listas de candidatos próprios, competentes, representativos e capazes de vencer as listas do PAICV – Partido único no poder”.

Se o calendário do PAICV tivesse vigado teríamos, em tese, eleições pluripartidárias e competitivas 5 anos depois (1995) e, em tese, passaríamos de um regime totalitário para um regime autoritário com um partido político dominante do sistema!



2 COMENTÁRIOS

  1. Jacinto Santos está coberto de razão. Ainda há poucos dias, por ocasião do 13 de Janeiro, insurgi-me contra o branqueamento de imagem que foi promovido pela tcv para chamar JMN um dos actores do processo de transição, quando, na verdade, JMN até se opôs à abertura política. Mas Jacinto está certo porquanto, todos sabemos do constrangimento público do falecido Corsino Tolentino, líder da delegação do paicv que viu todas as propostas do paicv serem negadas nas negociações com o MPD, liderado por Eurico Monteiro, Dico. Até à ordem das reformas proposta pelo paicv foi rachassada pelo MPD, tendo o formoso artigo e da velha ‘constituição’ a última a cair, dada tremenda resistência do paicv em admitir que não estava em causa a reforma do sistema político, mas sim a fundação de uma nova República e o engendrar de uma Nova Constituição. De resto, todos se lembram do slogan do paicv nas eleições de 13 de janeiro de 1990: “nada de aventuras”. Mais, por não admitir a nova República, o paicv abandounou a Sessão Solene e, por isso, não votou a nova Constituição da República de Cabo Verde. As recentes dificuldades de JMN, hoje presidente da República em lidar com a nossa Constituição, derivam portanto, de uma estado antagonismo criado no paísao ver todas as suas propostasde manipulação serem denegadas pelas ruas.

  2. Finalmente alguém com um lembrete importante. O PAICV não queria abertura. Queria que as primeiras eleições livres fossem em em 1995!!! Foi graças ao MpD que tivemos a abertura em 1991.

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