Quo Vadis CPLP: mobilidade ou só amizade?

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No passado dia 13 de Setembro, tive a honra de ser orador convidado na Conferência Perspectivas de Valorização da CPLP, organizada em parceria entre a Câmara Municipal de Obidos e a Global CPLP Iuris.

O objectivo da conferência era, como sempre, promover a CPLP como projeto político, económico e de integração social e cultural. Entretanto, inspirado pelas longas horas de viagem, e de espera, entre Praia-Lisboa-Óbidos-Caldas da Rainha, adoptei uma linha discursiva crítica, diferente, e mais pessimista também.

A conferência tinha vários painéis ao longo do dia, e o meu era o Painel Jurídico, composto por quatro colegas juristas da Global Iuris, oriundos de Moçambique, Espanha, Portugal e, eu, de Cabo Verde. Durante a preparação revisitei alguns principais textos jurídicos e políticos da CPLP, em busca de uma linha de mensagem que pudesse ser útil à conferência e à causa da Comunidade.

E honestamente, de 1996, que foi o ano da criação da CPLP, a 2019, ano da atualidade e da presidência de Cabo Verde, pouco evoluímos. Como disse, e muito bem, o nosso colega Orador, Paulo Mendes, passados mais de 20 anos, continuamos uma comunidade de croquetes (coffea breaks), em termos jurídicos e políticos. Salvas as dinâmicas efetivas e justas da promoção da amizade, da língua, da cooperação e da paz, nos demais, a evolução é fraca e a integração frágil.

“A criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1996, foi vista como a institucionalização da Lusofonia. No entanto, passados, 23 anos sobre esse acto e apesar das várias alterações estatutárias, a CPLP ainda não atingiu a visibilidade que parecia ao seu alcance. (João Filipe Pinto, in RAS – Revista angolana de Sociologia).

No plano técnico jurídico, de fato, passados 23 anos, continuamos no mesmo nível soft e na zona de conforto da amizade mútua, da cooperação e concertação politico-diplomática (art. 1º do Estatutos CPLP). A teia de pequenos acordos, declarações e posicionamentos não ousou levar-nos ainda à Comunidade dos Povos. Acordo após acordo, declaração após declaração, continuamos uma comunidade com mobilidade apenas de diplomatas, funcionários públicos e oficiais. E isso significa muita coisa, ou a falta de muita coisa.

Cabo Verde, que exerce agora a presidência pro tempore durante 2019-2020, tem sido, historicamente, o grande impulsionador do aprofundamento da temática da mobilidade de pessoas comuns dentro da Comunidade. Revisitando a história, constata-se que Cabo Verde foi quem propôs em 1997 o Estatuto do Cidadão Lusófono (ECL), com inovações ousadas para a época: direito de nacionalidade, estatuto do investidor lusófono, Cartão de Identificação Lusofona, vistos de múltiplas entradas e ampla liberdade de circulação para pessoal diplomático, oficial e de serviços, possibilidade de Governos alargarem a mobilidade através de regimes especiais.

Tendo enfrentado a oposição de alguns Países, Cabo Verde, em desespero e fuga em frente, adoptou sozinho o Estatuto do Cidadão Lusófono (ECL), atribuindo aos cidadãos dos demais países membros todas a regalias previstas no Estatuto, que deveria ser adoptado por todos. Assim, através da Lei 36/V/97, a Assembleia Nacional de Cabo Verde aprovou unilateralmente o ECL.

Em 2008 Cabo Verde voltou ao ataque relativamente à isenção de vistos e circulação, e desta vez com um medida ainda mais ambiciosa: isentou de vistos todos os Cidadãos da União Europeia (UE).
Passados 23 anos, novamente na posição de impulsionar a CPLP, Cabo Verde volta a trazer à mesa das negociações o tema da mobilidade de cidadãos (Povos) dentro da CPLP.
Entretanto, analisados os documentos jurídicos e políticos da recente Conferência de Ministros da CPLP, no Mindelo (19 de Julho de 2019), salva as boas intenções e as expetativas, o conteúdo e os compromissos são fracos, softs, protocolares e frouxos.
Comecemos pelo Comunicado Final dos Ministros da CPLP em Mindelo, de 19 de Julho de 2019.

Num documento de 14 páginas e 17 parágrafos, em apenas 2 parágrafos decidem alguma coisa. Aprovaram: Instrumentos de gestão interna, eleição do Secretário Executivo, e a Resolução sobre a Mobilidade. Nos demais parágrafos: recordaram, manifestaram, reiteraram, relembraram, confirmaram, saudaram, congratularam-se, confirmaram, reconheceram, encorajaram, assinalaram, expressaram e tomaram boa nota . A reunião tomou boa nota de 12 Reuniões de trabalho preparatórios cujas decisões não se conhecem, ou que não chegaram a decidir nada.

Vejamos agora o segundo documento aprovado: a Resolução sobre a Mobilidade.
Num documento de 3 páginas: criaram o grupo técnico de trabalho sobre a mobilidade, referem que a mobilidade deve ir em várias velocidades e com flexibilidade e definiram um prazo para submissão e discussão do projeto final de Acordo de Mobilidade para 2020, em Luanda. Adiado, portanto. De 1996 a 2019 continuamos, pois, com o mesmo quadro jurídico de fundo relativamente aos Povos da CPLP.

No tempo em que vivemos, as fronteiras e vistos estão a tornar-se instrumentos obsoletos de Estados e comunidades ultrapassadas no tempo. O desafios atuais são outros: segurança interna, segurança internacional, empregos, empregabilidade, empreendedorismo, mobilidade de pessoas, competências e capital, connectividades, zonas continentais de comércio livre, territórios digitais.

Cabo Verde já tem uma experiência real de livre circulação de pessoas com os Países da CEDEAO, Portugal com o Brasil, com Angola e Moçambique.
O que tememos afinal?



2 COMENTÁRIOS

  1. Cabo Verde já fez BASTANTE, se esta proposta não der resultado a nível de CPLP, CV deve concentrar em acordos bilaterais com todos Países da CPLP (já tem com quase todos) e e nem se quer PARTICIPAR nas futuras cimeiras da CPLP no que a mobilidade diz respeito!!!

  2. É sempre interessante ler o seu artigo, pois, traz sempre algo de novo, e é, grosso modo, escrito sem fanatismo e fundamentalismo, com muito respeito pelas possíveis diferenças de opinião e de perspectivas, aliás, aspecto esse também visível nas suas intervenções orais no Parlamento onde, segundo Cipriano Tavares, antigo deputado da nação, só existem cobras e centopeias. Estou plenamente de acordo consigo, quanto à mobilidade de pessoas na CPLP. A impressão com que se fica é que OS GRANDES DA CPLP, Portugal e Brasil, não estão minimamente interessados na livre circulação de pessoas no espaço lusófono. Os dois gigantes é que mandam na CPLP, o resto, como diria o outro, são paisagens.

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