RELAÇÃO PR E GOVERNO: Entre o formalismo institucional e a desejável cooperação institucional?

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“Informar regular e completamente o Presidente da República sobre os assuntos relativos à política interna e externa do Governo” (Competência do Primeiro-Ministro in f) artigo 207º da CR)

Nos últimos tempos, muito se tem falado e escrito sobre a dessintonia discursiva entre o Presidente da República e o Governo a propósito do acordo SOFA.

A meu ver, essa divergência discursiva foi muito empolada, querendo alguns, a partir desse aparente desacerto, retirar dividendos políticos ou criar um ambiente de suposta tensão entre os dois órgãos de soberania.

Tudo começou com uma entrevista do Presidente da República a um jornal nacional, onde deixou reparos a forma como o governo conduziu o processo SOFA. O Presidente da República numa passagem da sua entrevista disse e citamos: “pronunciei-me publicamente quando o Governo estava a negociar ou assinou o acordo SOFA com os EUA e disse que deveria haver, nessas matérias, uma articulação entre Governo e Presidente da República, o que não existiu. Em matérias como o SOFA, no nosso sistema de Governo, há quem defenda uma espécie de assentimento prévio do Presidente para evitar que um Governo assine um acordo, o Parlamento aprove e depois o Presidente não ratifique, o que não é bom”.

Mais, o Chefe de Estado afirmaria, ainda, e voltamos a citar: “Pronunciei-me publicamente, o Governo respondeu dizendo que eu tinha a informação toda ou suficiente, eu não quis ripostar, mas naturalmente que eu não tinha informação. Não ia dizer que não tinha, tendo-a. Eu vim conhecer o acordo já depois de ser assinado. Isso não é normal, não é desejável”.

Curioso é que o Presidente da República repetiu nesta entrevista, o que já tinha dito em setembro de 2017. Nessa ocasião, disse o que disse e o governo respostou como se sabe, e ninguém se lembrou da divergência ou se insurgiu, fosse num sentido ou noutro, sobre a dessintonia de opinião então havida.

O que de diferente aconteceu, para que vozes se levantassem, catalogando o ocorrido de crise institucional, desrespeito ao Presidente da República e outros quejandos, sem que para tanto tivesse havido uma alteração substancial dos modos e termos, expressos pelos dois órgãos de soberania no decurso desse tempo todo?

A única diferença que observamos, é que em 2017, foi o Primeiro-ministro a reagir, e agora foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros a fazer-se de porta-voz do governo. E, porventura, terá sido esta a razão que esteve na base das reações que se conhecem? Será esse o motivo que levou a que se pedisse a “cabeça” do Ministro ou, então, ao apelo a que o Primeiro-ministro o viesse publicamente desautorizar?

Sinceramente, não sabemos! Mas é muito estranho, estranho mesmo, esse acordar tardio de alguns.

Contudo, para percebermos melhor o que se passa atualmente, nada melhor do que voltarmos as afirmações do Presidente da República em 2017, para que possamos descodificar as motivações reais ou artificiais que animam o debate ou não debate no espaço público sobre esta matéria.

O que disse, afinal, o Presidente da República nessa altura?

Algo como e citamos: “Conheço os termos do acordo e não manifestei nenhuma oposição de princípio, mas nestas matérias é sempre positivo haver acompanhamento das próprias negociações e, em certos casos, o assentimento prévio do chefe de Estado para que na altura da ratificação não haja situações”.

Mas o Presidente da República acrescentaria ainda, nessa ocasião, e voltamos a citá-lo: “O Governo tem a competência de negociar e ajustar esses acordos. Esses acordos têm que ser depois aprovados pelo parlamento e sujeitos ao Presidente para ratificação e a ratificação é um ato de livre decisão do Presidente, o que implica a avaliação do acordo. Em tese, um acordo negociado e aprovado pelo parlamento pode não ser ratificado”.

Face a esse pronunciamento público do Chefe de Estado sobre o que entendia dever ser a condução de um processo, com as características de um acordo internacional, o governo viu-se na necessidade de esclarecer publicamente o seu entendimento e o que tinha feito no âmbito do processo.

Assim, o Primeiro-ministro veio a público dizer e citamos: “o Presidente da República foi devidamente informado. Temos estado em concertação e se, eventualmente, existe alguma necessidade de esclarecimento adicional, fá-lo-emos, como já tomámos iniciativa de fazer”.

Instado pelos jornalistas a pronunciar-se se a chamada de atenção por parte do Presidente da República não significava um recado ao governo, o Chefe do Governo disse e citamos “Não creio que seja recado porque temos mecanismos de concertação direta com o Presidente da República e dispensamos intermediários via comunicação social”.

Da análise do conteúdo das intervenções ocorridas em 2017 e agora em 2018, poderemos reter como relevantes, com a ressalva de que as opiniões dos dois órgãos de soberania foram devidamente transcritas, os seguintes pontos:

1. Em 2017, o Presidente da República afirmou que conhecia os termos do acordo e que não manifestou, com relação ao mesmo, nenhuma oposição de princípio;

2. Reconheceu, na altura, que competia ao governo conduzir o processo de negociação e ajustar os acordos;

3. Manifestou o desejo, em casos de matérias que exigem a ratificação por parte do Presidente da República, que este pudesse acompanhar as próprias negociações e eventualmente dando o seu assentimento prévio, antes do acordo ser assinado;

4. Em 2018, ao comentar a posição do governo, disse que não tinha a informação e que se a tivesse não ia dizer que não a tinha, e que só conheceu o acordo depois de este ter sido assinado;

5. Quanto ao resto, manteve a sua posição, realçando a necessidade de concertação e articulação, e, eventualmente, um assentimento prévio ao acordo antes da sua assinatura pelo governo.

Em síntese: constata-se uma certa discrepância entre o que disse o Presidente da República em 2017, e o que afirmou agora. Em 2017, afirmou que conhecia os termos do acordo e que não tinha oposição de princípio ao mesmo. A questão que se colocava, no seu entendimento, era mais de natureza procedimental do que da insuficiência de informação.

O governo, por seu turno, insistiu na ideia de ter prestado as necessárias informações ao Chefe de Estado. Amparado na letra da constituição que, formalmente, estabelece que o Primeiro-ministro o deve informar de forma regular e completamente sobre assuntos relativos à política interna e externa, o governo não pareceu muito virado a partilhar a ideia ou visão do Presidente da República nesta matéria.

Muito provavelmente o executivo entendeu e entende que a participação em negociações ou o assentimento prévio pretendido pela Presidente da República vai para além do dever de informar, definido pela constituição, podendo haver ou abrir-se espaço para interpretações de invasão da esfera de competência de um órgão de soberania com relação a um outro, embora não acreditamos que seja esse o motivo e a razão de fundo dessa divergência.

Confessamos que, até ainda, não conseguimos perceber a razão por que esta questão de regras procedimentais tenha sido tratada, essencialmente, através da imprensa, quando as duas entidades se reúnem regularmente, e podendo nesses encontros conversarem sobre este e outros temas, e acordarem o que tiverem de acordar.

Quanto a nós uma relação de cooperação institucional entre órgãos de soberania constrói-se entre as quatro paredes e depois se estende em gestos e atos públicos.

Cremos que faltou qualquer coisa!

E pensamos mesmo que se o Presidente da República tem esse entendimento amplo e extensivo do dever de informar, deveria propor, discutir, negociar e acordar com o governo essa solução, que seria aplicável não só para este caso concreto, mas para todas as situações análogas, no presente e futuro.

E, nenhum momento, pelo que nos foi dado a entender, essa proposta foi feita ou discutida, e não o tendo feito, não se pode assacar responsabilidade ou criticar o governo por ter uma compreensão procedimental diversa do Presidente.

Certo, e o mais importante, é que o Presidente da República vai ratificar o acordo SOFA, e como já afirmou, vai, também, fazer uma comunicação ao país. Uma comunicação que seja esclarecedora, apaziguadora e que não lance mais achas para a fogueira, aliás outra coisa não seria de esperar de um Presidente que tem pautado, no curso dos seus mandatos, por uma postura institucionalista e equilibradora do sistema político.

Aguardemos, pois, pelo conteúdo da comunicação ao país!

P. S.: Não somos nem a favor nem contra o SOFA.



1 COMENTÁRIO

  1. Este artigo confirma o que eu pensso. Será que o Sr. PR vai usar o FAMOSO veto da gaveta? ou seja não tendo fundamento para o vetar, fecha-o na gaveta? COMPORTAMENTO DE UM HOMEM QUE EU ADMIRO (dai a minha desilusão) FEIO,MUITO FEIO! resalvo o comportamento de PM com o cuidado que sempre tem com as perguntas muito “BEM” intencionadas da máquina de propaganda em procurar conflito!CADA UM NA SUA CADEIRA!!!

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