SOFA: Comunicação do PR à Nação

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Antes da anunciar a sua decisão de ratificar o SOFA, o Presidente Jorge Carlos Fonseca fundamentou a sua posição numa declaração ao País. Pela importância do assunto, transcrevemos a comunicação do Chefe de Estado

Foi-me submetido, para efeitos de ratificação, depois de aprovado devidamente pela Assembleia Nacional, o acordo entre a República de Cabo Verde e os Estados Unidos da América, mais conhecido por Status Of Forces Agreement (SOFA), instrumento que estabelece o quadro legal de suporte à cooperação em matéria de defesa e segurança, duas preocupações essenciais do Estado de Cabo Verde, particularmente nos tempos relativamente conturbados que o mundo global vem atravessando.

Estou absolutamente convicto de que, de uma forma geral, a grande maioria da população cabo-verdiana sabe reconhecer a essencialidade de uma matéria como a defesa e a segurança de Cabo Verde, especialmente na sua condição de um país arquipelágico e com um vasto território marítimo, na encruzilhada de vários continentes. Se é certo que a posição geográfica de Cabo Verde, pela proximidade às várias regiões do mundo, lhe confere especiais vantagens, também não é menos verdade que essa proximidade impõe cuidados acrescidos pela exposição do país a alguns perigos que infelizmente têm assolado o nosso século, de entre eles a pirataria marítima, o terrorismo, o tráfico humano e o tráfico de estupefacientes, o contrabando.

Razões que importam o estabelecimento de relações de cooperação e de parceria com países amigos.

No entanto, bem cedo no SOFA se pôde verificar que existia uma cláusula que, não sendo nova no nosso ordenamento jurídico e existindo em convenções estabelecidas entre países democráticos outros, provavelmente seria objeto de alguma polémica, por implicar o reconhecimento de uma posição de transferência de jurisdição criminal à contraparte por eventuais ilícitos cometidos pelos seus agentes em território cabo-verdiano. Não obstante todas as cautelas e garantias clausuladas, de sorte a que Cabo Verde possa assegurar que a violação das suas normas não ficará impune em caso de desconformidade da conduta em relação ao direito nacional, ainda assim era quase certo que a solução não seria pacífica.

Não o sendo, contudo, entendo que a dissonância em matérias de relevante interesse nacional é normal, pode até ser salutar e é a demonstração da vitalidade da nossa democracia e da crescente afirmação da sociedade civil no debate político. Por isso, a voz crítica da sociedade civil é claramente um sério fator de ponderação nas decisões públicas em qualquer regime verdadeiramente democrático.

O caminho mais fácil, mais cómodo, recomendava o envio do Acordo para o Tribunal Constitucional, agindo depois o Presidente da República em conformidade com a decisão que fosse adotada nos termos prescritos na Constituição. Mas o Chefe de Estado não pode – não deve! – escolher o caminho mais fácil, mas apenas aquele que resulta da autónoma e a mais completa possível ponderação que faz, serena e objetivamente, do conteúdo da matéria, do contexto e de todas as circunstâncias relevantes.

Em consciência, enquanto Presidente da República, não vislumbrei no Acordo qualquer matéria que me tenha suscitado fundadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade. No modo como tenho encarado e exercido a função presidencial durante estes seis anos de mandato, tivesse eu qualquer dúvida séria e razoável sobre a constitucionalidade do Acordo ou de suas normas, impor-se-me-ia a obrigação de o remeter ao exame do Tribunal Constitucional, como tenho feito, não poucas vezes, ao longo dos meus mandatos presidenciais. Mas devo realçar que uma coisa é o reconhecimento, mais ou menos profundo, de que uma dada solução possa ser geradora de polémica e atrair múltiplas vozes dissonantes, coisa completamente diversa é a probabilidade de ela conflituar com normas constitucionais da República de Cabo Verde.

Também, enquanto Presidente da República, não posso deixar de valorizar a necessidade de Cabo Verde se fazer ouvir no plano externo a uma só voz, particularmente quando se trata de questões de elevado interesse nacional, a não ser em situações bem determinadas ou extraordinárias, em casos-limite que bem podem acontecer.

E, por isso, também, faz todo o sentido – não obstante a diversidade de papéis e até de perspetivas diferenciadas que muitas vezes são ditadas pela posição de cada ator político no sistema – a procura de uma cada vez mais e melhor articulação no quadro do nosso sistema político e de governo, não para a sobrevalorização ou subvalorização destas ou daquelas funções, ao cabo e ao resto todas elas igualmente importantes e, de forma clara, definidas pela Lei Fundamental, mas tão simplesmente para a potenciação da posição de Cabo Verde, como um todo empenhado em soluções que acrescentem ainda mais valores ao seu processo de desenvolvimento.

A procura, quanto mais cedo melhor, de um alinhamento institucional para potenciar a expressão externa do país, é uma incontornável necessidade de Cabo Verde, aconselhável, sobretudo por motivos desenhados e ditados pelo nosso figurino constitucional.

Finalmente é importante ter em consideração que qualquer Acordo que vincule o Estado de Cabo Verde é, isso mesmo, um Acordo, uma decisão conjunta de Estados soberanos e, consequentemente, susceptível de ser sempre criteriosamente reavaliado na sua execução, medindo-se os seus impactos eventualmente menos positivos ou até mesmo negativos, e, se for caso, disso, aproveitar os seus próprios termos clausulares e propor os ajustamentos que se mostrarem necessários, de sorte a salvaguardar sempre, e em primeira linha, os interesses do país.

São essas razões que me levam a ratificar o acordo entre a República de Cabo Verde e os Estados Unidos da América, mais conhecido por Status Of Forces Agreement (SOFA).

Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República