Trocou medicina pelo Sacerdócio. Hernany é ordenado amanhã

0

“Nada é por acaso na vida”, comenta Hernany Dias, jovem de 27 anos de idade, que amanhã vai ser ordenado Padre, em Monte Sossego

Escolhendo como lema da sua ordenação sacerdotal, “Curar os corações feridos”, o futuro Padre da Diocese de Mindelo, natural de São Vicente, adianta que doravante vai estar a tratar das almas do povo de Deus a ele confiado.

Foi em 2013 que ele decidiu mudar de planos, deixando para trás a ideia de cursar medicina e opta pela vida religiosa, para ser Padre. Após todo o percurso de formação académica e religiosa, feito entre Cabo Verde, Portugal e Itália, Hernany está pronto para ser ordenado.

Foi num acampamento vocacional que Jesus lhe tocou. Hernany acedeu ao convite apenas para “fazer uma experiência, conviver com os outros”, mas acabou, entregando-se. “Entrego-me de coração. Mas foi uma boa experiência, pude falar com várias pessoas, nô passá sábe, e Deus me chamou e até hoje estou disposto a dizer esse sim”, garante.

Esta entrevista é uma cortesia do Site da Diocese de Mindelo, que com a devida vénia OPAÍS.cv publica.

Levar esta cura que é o Evangelho (…), e isto me traz alegria

Site Diocese de Mindelo – Caro Diácono Hernany, o que lhe vai na alma, a escassos dias de ser ordenado Padre?

Hernany Dias – É uma mistura de sentimentos. Explico-me: é uma alegria porque é uma vocação a se realizar e a ser confirmada pela Igreja. Desejo ser Padre. Só por estes motivos é muita alegria.

A missão do Sacerdote, a partir do meu lema presbiteral, “Curar os corações feridos”, isto não quer dizer literalmente como os médicos fazem, mas quero dizer que é levar o bálsamo que é o Evangelho, levar o remédio do Evangelho para as pessoas que estão perdidas, o remédio às pessoas que estão aprisionadas, às pessoas que estão passando por dificuldades e problemas. Levar esta cura que é o Evangelho, que é o próprio Jesus Cristo, e isto me traz alegria. Que eu possa desempenhar uma missão que de alguma forma traz um bem espiritual enorme e que influencia também na parte física.

Dizia eu no início que é uma mistura de sentimentos, por causa também da responsabilidade. Vão ser “muitas almas” na minha mão e muitos dependentes também que eu anuncie o Evangelho.

É uma responsabilidade enorme que também sinto, de alguma forma, um pai espiritual, o que significa que eu vou ser um guia, um pastor, um orientador e como guia, pastor e orientador tenho que ter cuidado, sabedoria e prudência, e sabedoria e prudência implicam responsabilidade.

Que o meu ser Padre seja um imitar Jesus Cristo

Que Padre quer ser para a Igreja?

Eu quero ser um Padre para o nosso tempo. Eu não quero ser um Padre para o passado, nem Padre para o futuro. Quero ser um Padre do nosso tempo, que saiba viver as dificuldades da pandemia, que saiba orientar por causa da pandemia, um Padre que saiba também outras culturas que não seja apenas cultura religiosa, um Padre que saiba levar a Doutrina Social da Igreja a todos. Quero ser um Padre ao modo da Igreja, ao modo do Evangelho e ao modo de Jesus Cristo principalmente. Que o meu ser Padre seja um imitar Jesus Cristo.

Tenho muito presente aquele slogan da Idade Média ‘quem são os Padres’? São outros Cristos. Quero ser, realmente, outro Cristo. Não é fácil. Eu sei das minhas limitações, das minhas imperfeiçoes, dos meus erros também, mas acredito que é possível tornar-se uma imagem de Jesus para os homens deste tempo.

Pode parecer um objetivo utópico, uma utopia ser um outro Jesus Cristo, não é ser totalmente Jesus Cristo, mas, a cada dia, assemelhar-me a Ele. Pouco a pouco vou-me tornando igual a Ele.

Vai dizer sim ao Sacerdócio e vai ser ordenado Padre num tempo de pandemia que nos levou, num passado recente, a confinamentos. Foi ordenado Diácono em fevereiro, todo esse tempo exerceu o Diaconado numa situação de confinamento, pergunto-lhe: esta situação de confinamento ajudou-lhe a definir o seu sim e a aperfeiçoar a sua resposta à Igreja?

Posso responder que sim. É justamente num tempo difícil como este que são precisos Ministros, são precisos homens que se disponibilizam a sanar esta humanidade que de alguma forma foi abalada. É pensando sobretudo neste contexto pandémico que escolhi como lema “Curar os corações feridos”. Pode adaptar-se a outros contextos mas é um lema que se adapta de modo muito especial neste contexto de pandemia.

Muita gente ferida, ferida nas relações porque não tem proximidade; ferida com o divórcio; ferida porque perdeu o trabalho; ferida porque não tem uma perspetiva de futuro; ferida porque não tem condições para pagar os estudos. É muita gente ferida porque perdeu aquela parte do contato social que era e é importantíssima para o crescimento, para o contraste de opiniões e de caráter. Ferida porque não sabe se sai na rua e pode trazer para casa, para os pais e avós e para as pessoas mais idosas o vírus; ferida porque já não consegue exprimir a sua fé, tem que ir para a Igreja com uma série de limitações. Há muita gente ferida por diversas situações e isto tudo veio agravar as situações que nós tínhamos antes.

É muita gente ferida e esse lema pode parecer que são apenas pessoas que passaram por dificuldades e problemas, OK, sim, normalmente são estas pessoas. Mas na nossa vida, no nosso percurso de vida todos nós nos sentimos feridos de alguma maneira.

Alguma coisa que não nos sai bem, uma palavra que foi dita e não se enquadrou, um olhar, até um olhar de julgamento, de crítica, de desprezo; somos feridos diariamente.

Há essas grandes feridas que a pandemia trouxe, que é o desemprego, o não ter que comer em casa, são feridas grandes mas há as pequenas feridas, portanto se aplica a todos e também se aplica a mim, porque sou suscetível ao erro, a sentir-me ferido, então quero que Deus me cure para poder curar os outros porque ninguém pode curar se não estiver curado, se não estiver preparado. Ninguém pode dar aquilo que não tem.

Vale a pena ser Padre

Aos jovens nos tempos de hoje, que dizer? Vale a pena optar pela vida religiosa, ser Padre?

Eu digo que sim e tenho muita convicção nisso. Vale a pena ser Padre, e ser Padre ao modelo de Jesus. As pessoas, a humanidade, o nosso mundo, Cabo Verde, as nossas Ilhas precisam destes homens que levam uma palavra de esperança e de fé.

Muitas vezes nem é preciso falar de Jesus Cristo ou de Deus, é preciso alguém que leve esperança. É preciso alguém que leve a alegria nos momentos de desespero, é preciso alguém que leve a Paz nos momentos de confusão e de desentendimento. É preciso sim homens com essa disponibilidade para anunciar o Evangelho, anunciar uma vida nova, que nem tudo está perdido, que as pessoas são amadas por Deus. Vale sempre a pena fazer com que as pessoas se sintam valorizadas e amadas por Deus. Este é o principal objetivo de um Padre, fazer com que as pessoas tenham fé.

minha família sentiu que eu era feliz naquilo que eu escolhi

Que lugar teve e tem a sua família de origem na sua decisão vocacional?

A minha família teve um papel importante, um papel de transmitir-me os valores humanos. Ninguém é Padre se não tiver uma base humana. Ninguém se torna Padre, um bom Padre se não tiver uma base humana. Toda a parte espiritual e sacramental é importantíssima, mas hoje em dia nós precisamos de pessoas humanas e aqui não estou a falar das imperfeições e limitações, estou a falar de valores. O valor do querer ajudar, o valor do estar presente, o valor de querer sempre agregar as pessoas, de transmitir o bem que as pessoas têm dentro de si, a mina de ouro que as pessoas têm dentro delas, e na minha família eu sinto isto, mesmo quando eu caía, mesmo quando eu falhava, eu era ajudado a levantar, era mostrado a riqueza que eu sou. Então, digo, que a minha família teve um papel importante e ainda hoje reconheço todo o papel de humanização, de educação e de formação que teve na minha vida.

Na parte religiosa inicialmente a minha família não estava de acordo porque eu tinha os meus estudos secundários em bom caminho, depois aconteceu que eu queria ser médico e até tinha tudo preparado, eu era um bom aluno, então esta minha decisão não caiu muito bem, mas depois eu senti que a própria família ficou a exigir de mim, e a cada domingo, a minha mãe dizia “já está na hora de ir para a Missa”, e eu dizia, sim, já vou. Entretanto, depois a minha família sentiu que eu era feliz naquilo que eu escolhi e me todos me apoiaram, mas destaco sobretudo a parte humana, os valores muito importantes que me transmitiram.

Se calhar, se eu tivesse uma outra sensibilidade, outra formação humana ou outros valores não seria este o caminho que estou a escolher.

Observando bem, antes queria ser médico, mudou para ser Padre. Numa ou noutra escolha queria estar sempre o Hernany a cuidar do outro.

Sim (risos), sim, exato, e sempre a curar dos corações feridos. Acredito que nada é por acaso na vida. Eu escolhi este lema, e agora que me está a fazer a pergunta é que estou aqui a fazer a analogia, esta comparação que há. De fato sim, já não serei médico do corpo mas como dizemos médico da alma.

até hoje estou disposto a dizer esse sim

Já agora, quando é que percebeu que não deveria enveredar para a medicina e opta pela vida sacerdotal? Em que ano estávamos?

Estávamos em 2013, eu fui participar num Acampamento Vocacional. Tinham-me dito que era um bom momento, que as pessoas estavam ali, que havia muitos jovens da Paróquia, e eu fui lá participar. Nessa altura não queria ser Padre como muitos deles que estavam ali. O mais engraçado é que todos que estavam ali e que foram com maior convicção do que eu, nenhum está no Seminário ou se tornou Padre.

Eu fui lá para fazer uma experiência, conviver com os outros e acabei, durante o Acampamento, a entregar-me. Eu sempre fui de muita entrega e entrego-me de coração. Mas foi uma boa experiência, pude falar com várias pessoas, nô passá sábe, e Deus me chamou e até hoje estou disposto a dizer esse sim.

Sempre eu pensava numa possibilidade de consagração, se Deus me consagra então Ele está comigo. Às vezes me perguntam “estás preparado” e eu respondo, sim, estou preparado. Espero não ser um pouco presunçoso.

Eu vejo a consagração como algo complementar àquela que Deus fez comigo quando nasci, quando eu fui batizado. É uma extensão desta consagração, algo mais radical.

meu desejo é consagrar-me para sempre

Está mesmo decidido a ser Padre? Nada lhe demove desta decisão?

Da minha parte sim, estou decidido.

Partindo da minha convicção, da minha expetativa e da minha ótica, digo que sim, quero ser Padre e o meu desejo é consagrar-me para sempre. A minha convicção é que não vou abraçar uma causa temporária e quero assumir este Sacerdócio para sempre.