Um dirigente ou um militante do MpD que se diz Cabralista está no Partido errado!

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O Editorial de Humberto Cardoso (Expresso das ilhas de 14 de setembro) é lapidar e mostra o quanto o MpD falhou no desenvolvimento da sua função cognitiva. Em vários textos e ocasiões afirmara que a transição democrática em Cabo Verde terá ficado ameio caminho, porque não desalojou a ideologia do antigo regime do aparelho de Estado. Também a firmara que o MpD contribuiu e vem contribuindo, de fato, para o branqueamento do Regime de Partido Único. O MpD prescindiu de dar combate ideológico ao PAICV e à ideologia que o suporta desde a sua fundação. É de uma grande ingenuidade política pensar que o PAICV terá prescindido da sua ideologia só porque continuou a funcionar em democracia liberal e no Estado do Direito! A procura incessante pelo domínio do Estado, a reconversão das suas organizações satélites para se acomodarem à democracia, a criação de instrumentos de influenciação política e ideológica, bem como práticas refinadas de branqueamento do regime que instituiu e manteve durante 15 anos, têm permitido ao PAICV criar toda uma narrativa que o desligue do regime que instalou e se apresente como o mentor da democracia e o seu fundador como a fonte de inspiração e de realização da liberdade e democracia que os caboverdianos conquistaram há 31 anos!

O MpD liderou e bem o processo de instalação do novo regime, consagrado na Constituição de 1992, mas não foi consequente no combate ás “reminiscências ideológicas persistentes” do regime do Partido Único e da sua ideologia de matriz marxista e leninista. É dramático como alguns dirigentes do MpD teimam em não aceitar que o pensamento de Cabral não tem nada a ver com a democracia (sua organização, princípios e valores) e o Estado de Direito, que a esmagadora maioria dos caboverdianos adotou a 13 de janeiro de 1991. O chamado Cabralismo não tem lugar nas concepções políticas, ideológicas e programáticas do MpD. Cumprir Cabral em plena democracia só vincula o PAICV que vive da ideologia do seu fundador, que se autoproclamou como herdeiro do pensamento de Cabral, depois do golpe de Estado na Guiné Bissau. Um dirigente ou um militante do MpD que se diz Cabralista está no Partido errado! É irrefutável a afirmação de HC, que passo a citar: “Afinal em nome dele (Cabral) se erigiu e se manteve um regime durante quinze anos e que na primeira oportunidade que os caboverdianos tiveram a liberdade para votar massivamente o rejeitaram”.

A Fundação Amílcar Cabral é o instrumento de perpetuação da ideologia de Cabral. Nada contra! Mas que o faça através ou com a parceria do Estado NÃO! porque o Estado que a Constituição de 92 institucionalizou não deve ser usado para veicular a ideologia de nenhum Partido tão pouco dos seus fundadores!

O MpD, é mais do que as suas lideranças conjunturais e as suas estruturas formais: é um projeto de sociedade que deve sempre estar comprometido com os ideais que ditaram a sua fundação, corporizadas na Declaração Política de 14 de Março. Tem que ser consequente na ação governativa e no trabalho político-partidário, assumindo as suas posições políticas e ideológicas com frontalidade democrática e de forma clara e inequívoca, sob pena de perder a sua capacidade de influenciação política, atração de novos quadros e valores e de fragilizar o sentimento de pertença, a crença no Partido e nos seus valores e a sua identidade, esta, nas suas várias dimensões, designadamente cognitiva, valorativa, pragmática e ideológica, no exercício do poder política, na sua relação com a sociedade e os diversos grupos e interesses que a compõem e na ação governativa.

Refugiar-se num pragmatismo “tout court“, é uma boa forma de evitar o embate ideológico que impõe e de não cumprir os ideais da liberdade, democracia liberal e do Estado de Direito, diria, seria uma traição à vontade largamente maioritária do povo caboverdiano que decidiu pela ruptura com o regime antigo em todos as suas dimensões e planos!

Espero que todo o MpD tome consciência da responsabilidade que assumiu como Partido de Regime, o que lhe obriga a fazer um trabalho sistemático de valorização da Constituição como o único referencial do processo de construção de uma sociedade cada vez mais a democrática e de um do Estado de Direito cada vez mais consolidado, a que todos os partidos, instituições, organizações e os cidadãos estão sujeitos, a promover e a defender.

É preciso um olhar diferente para as dinâmicas da sociedade, os desafios do presente que as democracias liberais vêm enfrentando, porque transformar, hoje, uma democracia num regime autoritário dispensa golpes de estado!



3 COMENTÁRIOS

  1. Caro Jacinto! Enquanto um dos fundadores do MpD, tens toda a legitimidade e obrigação moral de dizer o que disseste. O drama é se os demais fundadores do MpD e os actuais militantes e dirigentes estão conscientes do perigo que engendra o não combate à ideologia do partido único. Infelizmente, quem iniciou o processo de endeusamento de Amilcar Cabral foi o próprio MpD, durante os anos 90.
    Os alemães não falam nem de Bismarck, Konrad Adenauer, Willy Brandt ou Helmut Kohl. Ou será que não tiveram ninguém que merece ficar na história? Os franceses não endeusam nem Napoleão Bonaparte, nem Charles de Gaulle. Os japoneses não endeusam ninguém. Nem tão pouco os americanos que raras vezes se referem aos pais-fundadores. Ou seja nenhum dos povos que se desenvolveram, o fizeram com base no pensamento do passado, mesmo quando esse pensamento não é repudiável, como é o caso o pensamento base do partido único.

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