Um negócio dos diabos!

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Acabo de ler um texto do Diplomata aposentado António Pedro Monteiro Lima (APML), publicado no Expresso das Ilhas, com o sugestivo título “Diplomacia Nebulosa ou a ânsia da falsificação da história”. Remeter-me-ia ao silêncio não tivesse sido expressamente citado no referido texto.

No texto nada vi de política externa, como atividade do Estado nas suas relações com outros Estados e Entidades do sistema internacional. Nesse terreno é que seria interessante o debate, fazendo-se um balanço global dos resultados alcançados, com dispensa dos tradicionais chavões para adjetivar, sem o mínimo de concretização que permita o contraditório.

Procurei fugir a um debate partidarizado da política externa, não obstante reconhecer que, ao longo da nossa história como país independente, tem havido uma comunicabilidade intensa, e muitas vezes oficialmente assumida, entre o militantismo partidário e a carreira diplomática. Sim, falo da “carreira diplomática” e não de outra realidade diversa, “funções diplomáticas”.

A primeira estranheza: lendo todo o texto do APML não consigo descortinar, mesmo com muito esforço, um único desmentido ao facto por mim referenciado no debate com a sua esposa, Cristina Lima. Disse no debate que CV assinou um acordo politico/comercial com o regime de extrema direita, racista, segregacionista e o mais odiado da face da terra, ou seja, o regime de apartheid de África do Sul (objeto de boicote universal por manter homens africanos em condições de animais enjaulados em guetos, à revelia dos mais elementares direitos da nossa civilização).

É uma dura realidade, mas é! Confrange? Claro que sim, mas é verdade! Não há volta a dar a esta verdade histórica! Aqui não há nebulosa alguma! E a minha honestidade intelectual foi ao ponto de dizer que as autoridades políticas cabo-verdianas fizeram tal acordo na ocasião invocando os interesses económicos de CV, a indispensabilidade daqueles recursos para a economia da ilha do Sal e de CV!

O que incomodou APML e outros tantos foi apenas o facto de eu ter cometido o crime de recordar o passado da nossa política externa e mostrar que o seu percurso nem sempre tem sido iluminado pelo propalado “humanismo”, tendo ela não raras vazes se submetido a uma pura e crua lógica de interesses, materiais, políticos e até estritamente ideológicos.

Verificamos certas “ternuras” por uns e “azedumes” por outros do mesmíssimo calibre!
APML faz um louvável esforço para justificar o contrato com o monstro! Trouxe à ribalta detalhes para justificar o ato! Não nega a monstruosidade do parceiro, mas procura justificação para a motivação que levou ao negócio! Numa coisa tem razão: não se pode comparar de forma alguma a nomeação de um cônsul honorário para uma freguesia da Florida, por despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o Acordo político e comercial entre a República de Cabo Verde e o Estado Esclavagista da Africa do Sul.

Foi louvável o esforço da diplomacia cabo-verdiana para a obtenção da compreensão internacional para o improvável acordo. CV teve que passear o seu “coitadismo” nacional pelos vários corredores das chancelarias africanas (e não só), mostrando a sua vulnerabilidade económica, dizendo, no fundo, que negociava com o diabo, a troco de pão! Compreendo! Todos nós compreendemos! E no debate afirmei clara e inequivocamente que compreendo as motivações das autoridades de CV! No entanto, o que fizemos como Estado na ocasião devia obrigar-nos a um esforço de não julgar pelas aparências e até a um grau de tolerância maior no domínio das relações externas!

Mas a tolerância não pode ser sinal de um só sentido! Clama-se pela tolerância do que parece monstruoso, mas para coisas bem menores…



2 COMENTÁRIOS

  1. Uuiii…Dico reavivaste-me à memória com este texto oportuno, conciso, e politicamente sério que destrói todo o argumento falacioso de que a nossa política externa actual está a destruir os fundamentos que a norteou, lhe deu consistência, seriedade dum país que não se vende ao Capital e que o Ministro Luís Filipe foi dos piores dos últimos anos. Pois ouvi o debate no parlamento há um mês atrás e a ideia que fiquei com os dados apresentados é que se tem feito neste domínio um excelente trabalho. Passaporte emitido em tempo recorde: atendimento nos consolados em menos de meia hora o tempo de espera: consolado em Marselha: embaixador na Guiné Bissau e Santo Tomé sendo que neste será construída uma embaixada: embaixador na Nigéria… enfim, coisas e ações que definem a seriedade da nossa política externa e dignifiquem a nossa comunidade emigrante…obrigado Dico…a verdade vem sempre a tona!

  2. À primeira vista, fica-se com a impressão que a intenção do Sr. APL não era de sair em defesa não dos dois regimes opressores, um do Paicv (ditadura nacional revolucionária) e do Partido Nacional, que instituiu o pior regime político que a mente humana já foi capaz de engendrar na face terra, o apartheid. Os argumentos do APL são tão chulos e de baixo calão, que Dico não deveria perder seu precioso tempo para repreender este rapaz. Mas bom, já que acedeu a este trabalho, faltou ao Dico dizer-lhe que lamenta ter dado uma tremenda surra na esposa dele. Dico até foi muito contido, com a mulher do APL e com o próprio, haja em vista as funções que actualmente desempenha. Noutras circunstâncias Cristina estaria a precisar de aconselho terapêutico, tal o arraso que Dico a iria submeter. Esse sim, esse motivo pelo qual o APL voltou a este assunto.

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