5 de julho e os Desafios do nosso Desenvolvimento

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“Temos de querer um país desenvolvido, que assegure o melhor possível para os seus filhos e que não dependa tanto da aleatoriedade das chuvas e quem sabe?- fazer de nós os afortunados do vento leste.

Mas na construção dessa utopia, temos de medir todos os passos, calcular, com cuidado, a altura de cada salto, ajuizar com precisão a amplitude da nossa “braçada”. Definir com clareza o ritmo da nossa corrida”

Jorge Carlos Fonseca – in discurso na sessão Especial da Assembleia Nacional de 5 de julho de 2019

O Presidente da República produziu, talvez, o seu melhor discurso sobre o aniversário da independência desde que assumiu o cargo.

Esse discurso, num país em que os órgãos de imprensa fossem competitivos e com preocupação de conquistar audiência, mereceria certamente, ser escalpelizado por comentadores, partidos políticos, especialistas na área de educação e justiça entre outros, de maneira que a opinião pública fosse elucidada sobre a relevância desse discurso e da sua profundidade.

Infelizmente, o discurso e o seu conteúdo, a laia das outras vezes, parecem fadados a ser esquecidos, logo após o término da cerimónia. Nos parece que nem a situação e nem a oposição, e sobretudo a comunicação social, perceberam o alcance e a essência do recado insertos nessa mensagem à nação, razão porque não mais se falou no assunto.

Neste 5 de julho, o Presidente da República não se quedou pela velha retórica de assinalar e relevar a importância da efeméride. No palco da Assembleia Nacional, viu-se um Presidente sem receio e que de forma direta e eloquente foi tocando em todos pontos essenciais da vida do país.

Falou do passado, para enaltecer os feitos dos que lutaram e nos propiciaram a independência; dedicou-se sobre o presente para chamar atenção e realçar o que de positivo e de negativo já fizemos; e apontou para os desafios que temos e os que teremos de fazer se quisermos ser um país desenvolvido.

O Presidente da República na sua mensagem começou por saudar os Combatentes da Liberdade da Pátria enaltecendo o que fizeram “das mais diversas formas, muitas vezes com o sacrifício da própria vida, deram tudo de sie destacou a figura do que ele apelidou de “lendário e sempre lembrado Amílcar Cabral, o combatente, o teórico e estratega políticos que soube não só organizar a luta contra o regime colonial, mas também mobilizar a comunidade internacional para a causa das independências da Guiné e de Cabo Verde”.

Muito feliz foi na sua expressão, quando se referiu que a história não é deixar de ter memória, e apontou para a necessidade de se assumir o passado com o qual poderemos aprender coisas boas e más, sempre na perspetiva de que com a aprendizagem não cometamos os mesmos erros no presente, e acrescentando que “Uma coisa hoje não ganha virtude que intrinsecamente não tem por ter sido feita no passado, mas também não perde no presente a virtude que intrinsecamente possui por ter sido rejeitada no passado”.

O presidente da República conclamou, juntando a sua voz aos demais cabo-verdianos, que de forma uníssona, afirmam que valeu a pena a independência nacional. Parece-nos, sem dúvida, uma questão pacífica entre nós, ninguém questiona a nossa independência, sobretudo por aquilo que trouxe em termos de dignidade e de estatuto do país no concerto das nações, enquanto povo e nação soberanos.

Contudo, o Presidente não deixou de questionar se estamos todos onde queremos ou gostaríamos de estar. Nesse questionamento, sugere que perguntemos a nós mesmos se as famílias acedem regularmente a um rendimento que lhes permita viver com dignidade; se a insegurança e a violência foram contidas e mantidas a um nível comunitariamente suportável; se o desemprego, e principalmente o desemprego jovem, baixou para níveis que mantenham intactas as esperanças daqueles que estão na lista de espera; se reduzimos o fosso que separa a periferia dos centros”. São questões que não devem deixar ninguém indiferente e que devem merecer uma leitura atenta por parte dos poderes públicos, particularmente o governo.

Realçou a importância do crescimento económico que se regista no país, mas não deixou de chamar atenção para a necessidade de uma política de melhor distribuição que permita reduzir as diversas assimetrias existentes no país.

Mas o recado não ficou, apenas, para a situação. Numa crítica claramente dirigida a oposição, chamou à atenção para abordagens que “consiste em negar tudo e qualquer ganho, em considerar que o que se faz ou se fez é sempre mau, desnecessário … e, não raras vezes, feridas de suspeição”. Mas o Presidente não deixou, contudo, de realçar que as críticas são legítimas em democracia e que fazem parte do jogo democrático, mostrando claramente que os atores políticos têm direito de exprimirem de maneira que entenderem as suas ideias e posições políticas, embora ache que seria bom indagar em que medida as referidas abordagens têm sido as mais adequadas à inevitável congregação de energias para a resolução dos nossos, por vezes dramáticos, problemas”

O Presidente, num tom mais pedagógico, afirma que o processo democrático não é simples nem linear, e que, às vezes, se dão passos em frente, como acontecem, naturalmente, recuos. A complexidade do processo democrático é, de alguma forma, o reflexo da complexidade social, que no dizer de Edgar Morin, o grande pensador francês, constitui o “aspeto trinitário do humano: indivíduo, sociedade e espécie”, e eis a razão por que não é fácil, às vezes, encontrar soluções prontas e que agradem a todos.

O ponto mais relevante do discurso do Presidente foi dedicado à educação. Numa época em que se fala tanto na sociedade de conhecimento, a educação e o sistema educativo assumem a dimensão estratégica para o desenvolvimento de qualquer país. Na mensagem, o Chefe de Estado assinala que os países que se desenvolveram apostaram fortemente na educação e exemplificou: “Não há exemplo de país que tenha ascendido à condição de país desenvolvido sem uma aposta profunda na educação. Não há exemplo de país que tenha saído da esfera do subdesenvolvimento, sem um investimento enorme, persistente, rigoroso, na qualificação dos seus recursos humanos, ou seja, na educação de alta qualidade. Penso que devíamos estudar mais aprofundadamente, o exemplo de alguns deles. Não para copiar cegamente, mas para compreender os mecanismos que lhes permite reivindicar hoje, níveis educacionais extraordinários, e qualidade de vida muito elevada dos seus cidadãos”.

O Presidente da República não poderia ser mais assertivo quanto à necessidade de uma reforma profunda no nosso sistema educativo, condição sem a qual, não poderemos almejar alcançar patamares superiores de desenvolvimento.

Não restam dúvidas de que material humano não falta a Cabo Verde, parecendo faltar, antes, uma visão estratégica de longo prazo.

E é neste ponto que o Presidente da República interpela diretamente os partidos quando sugere a necessidade de um pacto para a educação. Na sua mensagem deixa claro que para conseguirmos ter uma estratégia educativa de longo prazo é indispensável “um consenso de todas as forças políticas para definirmos a médio prazo qual é o núcleo essencial da política de educação que o país precisa. Esta é uma tarefa para ser executada não numa legislatura, mas em, pelo menos, três ou quatro. Por isso ela deve ser o mais consensual possível para que possa ser desenvolvida sem perturbações ligadas aos períodos eleitorais.

Eis aqui o Presidente da República a sair da sua tradicional magistratura de influência discreta, para uma interpelação pública e direta aos partidos políticos para se associarem a uma ação a favor de Cabo Verde e das aspirações de uma nação inteira que são, nada mais, nada menos, do que termos um país desenvolvido. Nos parece que nenhum partido seja contra essa reforma fundamental.

A questão que se coloca é quem tomará a iniciativa para que esta proposta seja uma realidade tangível?

O Presidente da República deixaria o seu nome para a história, se tomasse a iniciativa de sentar os partidos, sob o seu alto patrocínio, a volta de uma mesa para discutirem e encontrarem um consenso de longo prazo sobre a educação e o sistema educativo.

Um passo nessa direção daria um sentido exato ao conteúdo da mensagem dirigida à nação e faria com que não fosse mais um discurso, provavelmente esquecido, após o encerramento da cerimónia evocativa de mais um aniversário da independência.

Eis aqui um bom exemplo de discurso de um estadista!