DA EVACUAÇÃO DE DOENTES AOS SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA MÉDICA: Que Caminhos e que Desafios!

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Muito se tem falado nos últimos tempos sobre evacuação interna de doentes, e, na maior parte das vezes, de forma superficial e sem a profundidade necessária face a uma matéria de interesse tão relevante, cujo tratamento carecia e carece de um olhar mais abrangente, menos reducionista e sério.

Falar de evacuações de doentes apenas se circunscrevendo a reserva e transporte em aviões de transporte civil de passageiros, é não ter mínima ideia de uma política de saúde num contexto sanitário que o país atravessa, como também é manifestamente insuficiente apresentar como solução a simples aquisição de um avião devidamente equipado para transporte de doentes evacuados.

Cabo Verde mudou, e muitos teimam em não se darem conta da ocorrência dessa mudança, e que impõe políticas adequadas para responder aos desafios deste novo tempo.

Ora, no domínio da saúde ocorreu uma mudança no perfil epidemiológico em que as doenças não transmissíveis têm o predomínio em relação às transmissíveis. Os padrões comportamentais, a alimentação, o estilo de vida se impuseram no nosso quotidiano, e se a esses for acrescentado o aumento crescente de esperança de vida, necessária e compreensivelmente abriu-se o caminho para emergência, de forma exponencial, de doenças que requerem outros meios de respostas.

Infelizmente entre nós, sempre que a questão das evacuações vêm à tona, aparecem associadas a casos ocorridos num ou noutro lugar, e na maior parte das vezes, a questão é colocada numa ótica propagandística ou de aproveitamento político da situação, e não emergente de uma análise cuidada para responder aos aspetos centrais de uma política de saúde sintonizada com as necessidade do nosso tempo.

Para um país que tem aspirações a ser um grande recetor de turistas, um grande centro de prestação de serviço internacional, incluindo um hub-aéreo, não pode estar tão descurado em matéria de serviços emergência médica, quer a nível hospitalar quer a nível pré-hospitalar.

O país precisa ser dotado de unidades de cuidados intensivos, pelo menos nos dois hospitais centrais, devidamente equipadas, incluindo meios de suportes de vida avançados, bem como o pessoal necessário e treinado para atuar nessas situações emergenciais.

Do mesmo modo, se coloca a questão, a meu ver incontornável, quanto a criação de um serviço de emergência médica pré-hospitalar, com pessoal próprio devidamente treinado, e com meios adequados como ambulâncias e helicópteros equipados com meios avançados de suportes de vida para atuar em vários teatros de operações nomeadamente:

1) Evacuação de doentes entre as estruturas de saúde, sobretudo quando se esgota a capacidade de resposta de uma estrutura de grau inferior;

2) Intervenções médicas pré-hospitalares às vítimas de doença súbita como ataque cardíaco, trombose e outras situações de emergência;

3) Evacuação em situações de catástrofes, acidentes graves, como as transito, de aviação, afogamento, tremor de terra ou inundações.

Para responder a essas frentes, muitos países criaram o serviço de emergência médica pré-hospitalar, no quadro do serviço nacional de saúde, cuja principal função é o de funcionar como posto avançado dos serviços de urgência hospitalares ou de unidades de cuidados intensivos.

Para alguns céticos, vão dizer certamente que é uma coisa muito onerosa e que Cabo Verde não dispõe de recursos para sustentar tais serviços, hoje já tão necessários, como imprescindíveis, para evitar muitas mortes que poderiam não acontecer no nosso país.

Contrariamente à posição dos céticos, para aqueles que acreditam no futuro e ousam desafia-lo, é necessário pensar sobre a questão e projetar como se consegue ter uma solução dessas de pé.

O primeiro passo, é o de elaborar um plano de criação de serviços de emergência médica, contendo dimensão dos serviços, necessidades de recursos humanos e o seu treinamento, meios e equipamentos necessários às unidades emergenciais, recursos financeiros e formas de financiamento.

O plano poderia ser faseado, deferindo o investimento na sua realização por ciclos, tendo sempre presente a instalação do básico e sua evolução de forma consistente e coerente.

Muitos países adotaram como forma de financiar os serviços de emergência médica pré-hospitalar, para além do financiamento público, receitas provenientes de participação em percentagem dos produtos financeiros, resultantes de contratos de seguros de ramos Vida, Doença e de Veículos, assegurando assim a sustentabilidade do serviço.

Outra fonte de receitas do serviço é o pagamento de transporte de doentes, e esse encargo é assumido pela previdência social. No nosso caso, essa responsabilidade deveria ser atribuída ao INPS e deveria constar das prestações imediatas.

A importância de um serviço de emergência médica hospitalar e pré-hospitalar é incalculável, e uma decisão sobre essa matéria não poderá ser mais adiada.

Basta imaginarmos um cenário em que um chefe de estado estrangeiro de visita ao nosso país ser acometido de uma doença súbita lá para os lados de Tarrafal de Santiago, e precisasse de uma evacuação de emergência: seria simplesmente uma afronta. Não haveria resposta que a situação exigiria, e ficaríamos muito mal na fotografia: não temos nem ambulâncias devidamente equipadas nem helicópteros apetrechados e pessoal de emergência médica treinado para prestar tal assistência. Mas o problema não se punha apenas na prestação de cuidados pré-hospitalar, pois o nosso país ainda não investiu nas unidades de cuidados intensivos nos hospitais centrais com meios, equipamentos e pessoal próprio, altamente especializados, para se dedicar especificamente a tarefas emergenciais.

O nosso banco de urgência só tem capacidade para responder até um certo nível de urgência médica: não tem nem capacidade, nem meios e equipamentos para responder às situações mais complexas.

Mais: para um país que muito se investe em receber turismo de cruzeiros, mesmo que por umas horas de permanência no nosso território, não deve descurar essa componente de prestações de cuidados de saúde, pois, é muito frequente acontecer situações emergenciais durante a viagem em que os barcos aportam o porto mais próximo para deixar o passageiro, e o transporte do doente em condições de segurança emergencial é fundamental para que possamos ser referenciados positivamente em relação a outras situações e casos que possam vir a ocorrer.

Os nossos governantes não podem ignorar isso, e se um dia tiverem um episódio de tipo emergencial, vão experimentar na pele o que é morrer por falta de meios ou melhor: como não se evita uma morte evitável.

Portanto, a evacuação de um doente é apenas um aspeto, num contexto mais vasto de prestação de cuidados médicos, que poderá ir de intervenções pré-hospitalar à hospitalar, encadeado num quadro concertado e em que cada ator sabe o que fazer e porque fazer em cada momento.



10 COMENTÁRIOS

  1. Excelente. Precisa-se pensar seriamente na questão. Não basta só construir pequenos centros de saúde em todos os cantos. O trabalho de prevenção faz-se necessário dia após dia em Cabo Verde. Vivemos a confiar na sorte, esperando que não aconteça. E se acontecer? Os exemplos imaginados aqui trazidos traduzem cenários de embaraços tremendos e que poderão acontecer. Conselhos e alertas dadas. Que tal seguir??? Poupar o muito que se gasta em coisas menos importantes e investir nesta área tão sensível e evitar mortes evitáveis. Good explanação.

  2. Brilhante texto,tens toda a razão,temos várias lacunas no nosso sistema que precisa ser colmatado o Mais rápido possível, um país como nosso com quatro aeroportos internacionais imaginem as consequenças devastadoras caso aconteça um acidente aéreo em qualquer desses aerouportos sem termos um serviço de emergência hospitalar e pré hospitalar á altura,ninguém deseja isso mas essa possibilidade existe.

  3. Bom senso depende do conhecimento…
    Pela primeira vez em Cabo Verde analise e descrição do assunto com consistência e coerência!
    Valeu a pena a leitura !!!!!!
    Parabéns Dr Jose Antônio dos Reis

  4. este texto não tem nada de novo para a Associação Julia life que se debruçou de forma pragmàtica oficialmente desde 201o ano em que o Professor Paul Vandenbusshe escreveu um prieiro diagnòstico num “paper” que se intitula “Emermed” . O promotor do Projecto Julia Life Carlos Feliciano Soares Almeida urgentista, Mestre em Politica e Gestão de Sistemas de saúde , Gestor de situações de urgencias coletivas , Universidade Livre de Bruxelas debruçou está na etapa que prosegue o estàtico diagnostico de situação de Cabo Verde , para passar ao nivel de encetar protocolos estratégicos dentro e fora de Cabo Verde de forma a construir plataformas de sustentabilidade académica e financeira. O problema é que não pertenço a nenhum partido , o meu problema chama-se CABO VERDE e os Cabo-verdianos seja qual for a cor politica, porque quando tà-se doente a cor politica não tem visiblidade. A etapa seguinte chama-se AGIR. Para isso teremos de esquecer um pouco o EGOCENTRISMO politico , e PARAR com BLOQUEIOS e avançar com o que està escrito no MEMORANDO . So assim teremos um INEM em Cabo Verde . ,

  5. Sr. José António dos Reis, você fez em parte uma boa análise mas por outro lado pregou claramente a falta de visão que caracteriza a política de saúde em CV:
    Vejamos:
    “Basta imaginarmos um cenário em que um chefe de estado estrangeiro de visita ao nosso país ser acometido de uma doença súbita lá para os lados de Tarrafal de Santiago, e precisasse de uma evacuação de emergência: seria simplesmente uma afronta.”
    “Mais: para um país que muito se investe em receber turismo de cruzeiros, mesmo que por umas horas de permanência no nosso território, não deve descurar essa componente de prestações de cuidados de saúde…”

    Nesta lógica faltou-lhe referir os titulares de cargos políticos e outros privilegiados.

    A saúde e cuidados de saúde são um direitos humanos e universais, isto é, são valores universais e não reservados a indivíduos ou grupos. Dois exemplos: a Islândia e a Noruega (vivo na Noruega desde 1984). Esses países têm um sistema de saúde impecável porque a política de saúde representa um pilar do desenvolvimento. Tendo em conta que esses países desenvolveram cuidados de saúde para responder prontamente as necessidades dos seus habitantes, esses mesmos cuidads são acessíveis a visitantes e turistas – chefe de estado ou não. Os cenários do chefe de estado estrangeiro ou turistas de cruzeiros são situações comuns de emergência que ocorrem a um agricultor na Assomada, a um pedreiro em São Filipe, a uma criança sofrendo de hemorragia interna em Chã de Igreja, a uma mãe com complicações de parto no Porto Inglês.
    Pergunto: que política de saúde queremos desenvolver? Aquela que faz bem a nossa fotografia para a satisfação da galeria ou uma política que cria condições reais para responder as necessidades de todos.

    • Meu caro Miguel da Luz
      Agradeço pelos comentários feitos ao artigo que publiquei neste jornal online.
      Lamento não poder acompanhá-lo nas conclusões que tira, porventura, influenciado pela análise que não considera a integralidade do texto.
      O artigo, no essencial, defende que Cabo Verde devia e deve ter serviços de emergência médica, pré-hospitalar e hospitalar, com vista a fazer face da melhor forma às situações decorrentes da transição epidemiológica, bem assim, responder de maneira mais eficaz às necessidades de cuidados de saúde dos cidadãos cabo-verdianos neste novo cenário.
      Os exemplos utilizados, reportando-se a hipotéticos cenários de embaraço político ou de desaproveitamento de vantagnes económicas, são apenas exemplos, não colidindo em nada com o essencial da tese que o artigo insere.
      Saudações.

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