Dançar em Cabo Verde

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A Dança, como todas as demais formas de expressão artística em Cabo Verde, ainda agoniza. Até parece um contra-senso, já que muito se espalha aos ventos os mais caros adágios de que ‘caboverdeano que é caboverdeano é dançarino de gema’. E por aí ficamos, nessa leda promoção panfletária, que se junta a outras poéticas bem queridas pelo nosso ego colectivo. Mas, parênteses haja, pois esta não é a realidade cor-de-rosa que bem conhecemos.

Assim e tal, como a questão tem muitos nós, parece-me interessante uma tentativa de desenvencilhá-los, se ao menos possível for, e compreender os quês e os bês, da perspectiva de quem lida diariamente com esta modalidade artística.

Dançar…com quem?

Tudo começa afinal, não no verbo, mas nos sujeitos. Esta é uma das mais terríveis problemáticas da arte em geral na nossa terra, um denominador comum muito perturbador, que atravessa todo o painel artístico – a falta de credenciamento, falta de mapeamento; a não declaração da identificação e do estatuto de artista.

Quem possa reclamar a si o título de bailarino, coreógrafo, professor, de forma atestada, com base no desempenho curricular, e no exercício confirmado dos seus ofícios? Como se construir políticas de fomento cultural, sem que os agentes tenham carteira? Como identificar e desenhar programas artísticos sem ao menos reconhecer, quantitativamente, quem e onde, como e o que andam os artistas desenvolvendo? Não havendo uma base de dados nacional, uma inscrição padronizada, com base nos confirmados exercícios destas ocupações, como se pode responder às demandas e aos suprimentos? Como entender, estatisticamente, quais as medidas a serem tomadas?

Dançar …o quê?

Se já é difícil saber quem são os que dançam, falar sobre o que se dança, é por seu lado, ainda mais desafiador.

Começando pela informalidade que ainda existe no ensino da dança enquanto saber. Não havendo academias, escolas profissionais e profissionalizantes, não havendo um ensino contínuo, científico e sistemático da dança, é muito difícil conseguir a respeitabilidade e o desenvolvimento desta arte. Por mais que ela exista enquanto manifestação cultural, enquanto pertença de um povo que pelo corpo expressa o seu sentir, nunca vamos dar os passos e as piruetas em direcção a uma qualificação.

De outro modo, falta ainda dizer, que os próprios profissionais, enfrentam o desafio de não possuírem, muitos deles, uma formação académica e ou certificada, que vem também a ser um desafio para os caminhos apontados.

Dançar… mas aonde?

Sim, mas e onde dançar? Como trazer a dança para cena? Quais são os eventos da agenda cultural do país que introduzem dança, que promovem dança, que incluem dança?

São muitos os festivais e eventos, mas a presença de actuações dançantes é quase inexistente.

Como é possível que em tantos acontecimentos musicais pelo país, não sejam incluídos, no mínimo, os grupos locais? Não seja um ou outro artista que coloca bailarinos como figurantes de fundo, em algumas actuações, é muito raro de se ver destacado e em valorização as performances inteiramente dançadas. Não invertendo este cenário, vamos continuar por muito tempo com os mesmos resultados.

E para além de dançar …?

Fica muito mais confortável quando se aponta o dedo para factores que de certa forma fogem do controlo directo de quem por aqui deseja ver as coisas moverem-se de outros modos. Todavia: como se comportam os artistas perante estas problemáticas? Qual tem sido a postura, ao longo dos tempos, para mudar o estado das coisas? Que se tem feito, falado, debatido, reivindicado?

Este é um defeito inerente à nossa condição – o de extrema passividade e o espírito apagado de activismo cultural. Um discurso de coitadismo, de assistencialismo, de conformismo, muitas vezes acompanhado por uma má formulação e expressão de pensamentos, que se confundem como meros ataques e xingamentos a uma espécie de arqui-inimigo de nome GOVERNO, que são só fumaça de pouca dura.

A esses discursos, que também não é são tão comuns quanto isso, junta-se a inércia, a falta de coesão, de união, de corporativismo, associativismo e eteceteras. Ou então, quando estas iniciativas existem nunca chegam a sair de menos de meia dúzia de encontros, sempre com os mesmos temas e queixumes, com um sem-número de irresoluções e planos que não chegam a conhecer nem a cor do papel.

Nada mudará se próprios protagonistas perpetuam e prevalecem com os mesmos comportamentos, subvencionados pela falsa crença de que as coisas deveriam ser do jeito x somente pela acção governamental, quando na verdade, não são solicitados diálogos, nem apresentados planos e projectos de benefícios colectivos.

Dançar… e pensar? E falar?

Aqui, estamos a falar de produção de pensamentos críticos. A escrita, a produção literária sobre dança, de documentação da dança, de reflexão, opinião, informação. Uma não “bibliografização” das nossas próprias danças tradicionais, já é suficientemente preocupante, na lacuna que deixamos na nossa construção identitária.

Dançar… e espalhar!

Ainda que tenha crescido bastante, sobretudo nos dois últimos anos, a presença da dança com assinatura caboverdeana nas plataformas digitais ainda é fraquinha. Tanto em termos de produção como spaming.

Na era digital, ainda não encontramos o nosso posicionamento na promoção de conteúdos e sua viralização. Então, é preciso entender estas novas possibilidades virtuais como um caminho não só para a auto e hétero promoção, mas sobretudo para se gerar acções, eventos, acontecimentos, conexões! Estamos em rede! Agora mais do que nunca!

Djam Neguin é Coreógrafo e Bailarino Cabo-verdiano.