Como estamos, não queremos ficar, para onde vamos, não sabemos exatamente como será.
Sabemos o que não queremos, mas temos dificuldades em afirmar o que queremos.
É assim que retratamos a nossa Administração Pública, enquanto instrumento que se quer facilitador e promotor de desenvolvimento, e que, a nosso ver, está longe de ser uma realidade desejável, no contexto de uma administração de mudança.
A máquina administrativa cabo-verdiana é pesada, pouco competente e indiferente, razão por que ela constitui um sério entrave aos desafios que o desenvolvimento coloca, designadamente rapidez nos processos e eliminação de circuitos desnecessários.
A nossa administração foi concebida e implantada como serviços burocráticos, funcionando com e dentro da lógica burocrática. A burocracia, como todos sabemos, empenha-se no e em ter o controlo administrativo das coisas, pouco se importando com os resultados, que são a razão e fundamentos de ser do bem e melhor fazer.
Por isso, os países que puderam dar saltos em frente, em matéria de desenvolvimento, tiveram de mudar de paradigma em relação a administração burocrática, e evoluíram para o modelo gerencial.
O modelo de gestão administrativa inspira-se nos princípios oriundos do planeamento estratégico onde para além do estabelecimento de missões e objetivos, também são considerados as metas e os resultados a conseguirem-se.
Ademais, a gestão administrativa preocupa-se, ainda, com os resultados, porque planifica, porque estabelece metas e porque faz avaliação daquilo é feito. É o contrário do voluntarismo e do fazer por fazer, intrínseco ao modelo burocrático.
Só com a planeamento é possível e se abrem as portas a avaliação de resultados, e para isso, a existência de mecanismos de seguimento e avaliação é essencial.
Os mecanismos de seguimento e avaliação conferem os resultados e os credibilizam, porquanto os mesmos são medidos com os instrumentos apropriados que possibilitem a verificação por qualquer entidade que se interessem pelo assunto.
Contrariamente, o modelo burocrático produz um conjunto de burocratas que vivem e convivem bem com papéis, gabinetes fechados, verticalização, comunicação de cima para baixo, fraca partilha de informação quanto aos objetivos e pouco dados a trabalho de e em equipas. Esta é a forma de funcionamento que caracteriza o modelo burocrático, modelo esse, que auto-satisfaz a si próprio com essas rotinas e que exige que os utentes de serviços se adaptem a ele, e não o contrário.
Não há dúvida que não haverá uma administração pública que sirva o desenvolvimento, sem uma classe dirigente competente e profissional. Uma classe dirigente dedicada, empenhada e comprometida com os grandes desafios do país e que mobiliza os seus colaboradores em prol desses grandes desígnios.
Eis, pois, aqui evidenciado o grande calcanhar de Aquiles da nossa administração pública.
Na realidade, a administração pública cabo-verdiana, ao longo de várias décadas, tem sido dirigida de forma ad-hoc, ou seja, por dirigentes que são feitos na hora e, muitas vezes, para tapar buracos e por pouco tempo ou ainda por alguns indivíduos cujo cargo de direção é o seu primeiro emprego.
Mais: ela é periodicamente decapitada, em consequências das alternâncias no poder, fato que deriva da necessidade de se prover os lugares com gente de confiança, uma vez que se acredita que a administração, tal como existe, não dá garantias de independência, imparcialidade e profissionalismo para executar o programa de governo do partido que ganhar as eleições. Disso resulta que o novo inquilino do poder, não tendo a confiança na direção da administração herdada, leva e impõe o seu “enxoval”, mudando praticamente tudo o que lá estava.
Se nos fosse permitido fazer um inquérito aos atuais dirigentes da função pública, perguntando-lhes a quanto tempo se encontram em cargos de direção, o resultado não seria difícil de imaginar: não encontraríamos mais de 10% de dirigentes com mais de 5 anos de exercício do cargo, e se calhar, apenas 1% com mais de 10 anos.
Esse estado de coisas tem uma implicação profunda no funcionamento da máquina administrativa e provoca, ao mesmo tempo, uma certa precariedade no exercício de cargos de direção, criando, por isso, instabilidade na organização administrativa. Essa instabilidade contribui grandemente para a degradação da qualidade do nível das chefias superiores e intermédias da administração pública, tendo em conta que a inconstância no exercício do cargo não permite a construção de uma filosofia, de uma cultura e de uma escola administrativa, sendo essas, as premissas para a existência de uma instituição com história e histórico, com memória e profissionais experientes.
Aliás essa instabilidade, inimiga da existência de quadros experientes e especializados, cria incapacidade, gerando uma dependência crónica a pedidos de assistência técnica, dependência que, em muitos casos, já deveríamos ter superado.
Rios de dinheiro que o país perde ou que se gastam com essas assistências técnicas que, caso houvesse um investimento orientado para a criação de competências, muitas delas seriam dispensáveis.
Urge, pois, romper com o velho paradigma que tem governado a nossa administração pública, impondo uma profunda reforma, até para se ter uma boa base para se avançar para a descentralização administrativa.
Ao contrário do que muitos pensam, para que a descentralização administrativa seja bem-sucedida, será necessário dispor-se de uma administração central competente e profissional. Não sendo assim, em vez de se transferir competências reais e institucionais às regiões, serão transferidas competências formais, ou melhor, as incompetências existentes na administração central. E o custo dessas opções será bastante elevado, uma vez que os gastos com a incompetência descentralizada é maior do que a centralizada, tendo em conta que os seus efeitos serão sempre a multiplicar.
Um investimento sério na reforma da administração central é fundamental, devendo a mesma passar por dotar a máquina administrativa dos seguintes:
a) Um figurino organizacional de base estável que possa servir as várias opções programáticas de governação;
b) Um sistema de ingresso na função pública rigoroso, cujo processo seria garantido por um gabinete externo;
c) A constituição de uma classe dirigente profissional, dotada de uma carreira atrativa e com a necessária qualificação;
d) A introdução dos princípios de gestão por objetivos, estabelecendo indicadores de resultados e de desempenho por pessoas e por serviços;
e) A introdução, em todos os escalões da administração, do princípio de mérito como condição de promoção e progressão na carreira;
f) A criação de mecanismos de avaliação de tarefas e de desempenho;
g) A criação de uma escola de administração para formação, atualização e reciclagem de pessoal da administração central e local.
Estes são os pontos-chave de uma reforma inadiável, cuja implementação permitiria que emergisse uma administração moderna, competente e profissional; permitiria que a administração pública pudesse ter um corpo de dirigentes experientes, estáveis e idóneas; garantiria a permanência e o funcionamento da máquina administrativa, independentemente das flutuações que ocorram a nível da superestrutura política; criaria uma capacidade institucional e uma cultura histórico-organizacional, essencial para uma organização com prestígio; despartidarizaria definitivamente o sistema técnico da administração pública.
Assim, cumpridas as premissas aqui referenciadas, a regionalização administrativa e a transferências de competências far-se-iam numa base sólida, onde para as regiões não só seriam deslocadas as atribuições formais em termos de lei, mas, acima de tudo, a capacidade institucional e as competências reais (saber fazer e como fazer).