ESTADO DA NAÇÃO: O Estado que a Nação reclama!

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“A sabedoria consiste em saber que se sabe o que se sabe e saber que não se sabe o que não se sabe (Provérbio chinês)

Tudo normal em confrontação no debate sobre o último Estado da Nação.

Nada de insólito aconteceu, em matéria de posicionamento político entre os diferentes atores que intervieram nesse debate.

O Estado da Nação, descrito por uns e outros, ilustrava o estado de espírito de cada um, de mais otimismo de um lado e de mais pessimismo do outro.

Até aqui nada a apontar a cada interveniente, do ponto de vista de estratégia política, parece que tinha que ser mesmo assim.

O problema começa quando se esmiúça a análise sobre o conteúdo das intervenções, sua natureza, pertinência e rigor.

Neste ponto, foi porventura dececionante para quem esperasse mais.

Mais profundidade nas intervenções; mais rigor no tratamento das questões técnicas; melhor fundamentação nas divergências programáticas; mais respeito mútuo pelas posições contrárias; enfim, mais debate democrático, de ideias e de projetos.

O debate sobre o estado da nação foi iminentemente político. Político, no sentido mais corriqueiro do termo, onde a preocupação central dos atores foi derrotar ou vergar o outro, e transmitir para a opinião pública que ganhou ou, pelo menos, não perdeu o debate.

Ora, quando os pressupostos são desta natureza é difícil os intervenientes fazerem valer o peso da racionalidade, do equilíbrio e do bom senso num debate.

Contudo, há que realçar que nem todos os atores agiram da mesma forma. Numa análise mais fina, foi possível descortinar preocupações de natureza distinta, tendo o governo adotado uma postura institucional, nunca se deixou entrar no terreno para onde a oposição, com destaque para o PAICV, o queria levar.

O PAICV entrou no debate com uma estratégia clara, na esteira de outros momentos nesta legislatura, de confrontar o governo com um conjunto de casos, com particular destaque para a TACV.

Enquanto a UCID, embora não dispondo do arsenal bélico do PAICV, também se enveredou pela via confrontacionista, deixando para trás a estratégia de ser ou de se apresentar como uma alternativa à bipolarização MPD/PAICV.

A UCID, hoje, consciente ou inconscientemente, faz parte da bipolarização. E o resultado dessa opção ou estratégia está por verificar, mas não será difícil de descortinar que, num quadro de bipolarização, a UCID perderá sempre, em virtude do voto útil funcionar nesses cenários quase sempre. A ver vamos!

Por seu turno, o MPD nos pareceu sem uma estratégia própria para o debate sobre o estado da nação, quedando-se entre a defesa do governo, como é a sua obrigação, ou reagir aos ataques da oposição, fato que o coloca numa posição naturalmente defensiva.

O MPD, de há muito a esta parte, não tem tido a iniciativa e a liderança da agenda política, o que deixa o governo numa situação de alguma fragilidade, face aos ataques desferidos pela oposição.

Pareceu-nos, que dos sujeitos parlamentares presente no debate, foi aquele que se preparou menos adequadamente, não identificando convenientemente todos os cenários possíveis a que poderia ser confrontado e ter as respostas para cada um deles.

Da análise do desempenho dos participantes do debate e os pontos centrais que foram abordados, e sobre os quais se notaram clara divergência, temos a destacar:

No crescimento económico:

O governo apresentou como um dos triunfos da governação o crescimento da economia, em contraponto com o crescimento muito baixo então herdado. Obviamente, que o PIB está a crescer e a economia dá mostras de alguma retoma.

Para a oposição, o PIB pode até ter crescido, mas não teve qualquer impacto na vida das pessoas.

Na realidade, o crescimento do PIB é evidente e é uma condição para que a vida das pessoas melhorem. Não há melhorias nas condições de vida das pessoas, sem o crescimento da economia. Pode-se discutir se esse nível de crescimento gera uma alteração significativa nas condições de vida dos cidadãos, sobretudo num contexto de anos de crescimento muito baixo. Contudo, não há outro caminho a seguir, visando melhorias de condições de vida dos cidadãos, sem ser com o crescimento do PIB, crescimento que deve ser de forma continuada e sustentada. O governo deve zelar para que o crescimento do PIB se traduza em benefício da maioria da população, e seja um fator de coesão e integração social.

Manda a verdade dizer, que neste ponto o governo saiu-se bem.

Dívida pública:

Em matéria da dívida, um tópico sensível em matéria de política financeira, o governo destacou a sua evolução favorável, com o rácio da dívida em relação ao PIB a reduzir-se. O governo utilizou como instrumento de medição da dívida a fórmula que é tradicionalmente empregue ou seja a rácio da dívida em percentagem do PIB.

A oposição, em particular o PAICV, decidiu-se contrapor com o stock da dívida para demonstrar que a dívida pública aumentou. Mais, que a dívida teria aumentado sem que se visse investimentos em obras de vulto.

Bom, como sabemos, em todo o mundo, a dívida dos países é medido com relação a percentagem do PIB. Quando o PIB cresce, embora mantendo-se o mesmo stock, a dívida se reduz. Para ilustrar melhor essa perspetiva, poderá acontecer que o desempenho da economia seja tal ordem que dentro de algum tempo possamos ter uma dívida pública que corresponda a 60% do PIB e o stock da dívida seja igual ao que temos hoje. Ninguém de bom senso falará que a dívida publica é elevada ou que esteja a subir.

Deste modo, nos parece evidente que é o crescimento do PIB que determina a evolução da dívida, bem como se ela é ou não sustentável.

Não cremos, obviamente, que a oposição tenha razão, pelo que, na nossa opinião, o governo andou bem.

Privatização da TACV:

O debate sobre o estado da nação foi profundamente marcado pelo processo de privatização da TACV.

O governo, porventura, sob pressão do PAICV, que já tinha dado mostras de estar na posse de informações sensíveis sobre o processo de privatização da TACV, e deste partido nunca ter escondido a sua antipatia para com a Icelandair, apressou-se a apresentar como triunfo a intenção dessa empresa norueguesa em comprar 51% da TACV.

Tratando-se de um processo em análise por entidades designadas para o efeito, não cremos que o governo tenha andado bem ao anunciar a intenção da Icelandair em comprar participação na TACV. Deveria, como em relação às outras propostas, transmitir a ideia de distanciação em relação ao processo. Do nosso ponto de vista, quando muito, poderia ter promovido uma “fuga” de informação antes do estado da nação a anunciar a tal intenção.

O PAICV, por seu turno com documentos na sua posse e convicto que poderia encostar a parede ou atirar o governo ao tapete, começou por solicitar, através de um requerimento, documentos ao governo. Tendo o requerimento sido chumbado por abstenção do MPD, o PAICV decide avançar com uma cartada de alto risco: entra com um novo requerimento a solicitar a distribuição do documento que tinha na sua posse.

Foi um momento paradoxal: primeiro, porque para distribuir documentos o PAICV não precisava de requerimento nenhum para que os mesmos fossem distribuídos, bastava que os entregasse à mesa da AN com o pedido expresso da sua distribuição aos deputados; segundo, porque o MPD, talvez surpreendido pela ofensiva do PAICV, através de uma nova abstenção, não quis tomar conhecimento dos documentos, nem tão pouco exigiu que o PAICV, sem submissão de qualquer requerimento, entregasse os documentos à mesa da AN para distribuição aos deputados.

Por inabilidade política, o MPD perdeu uma oportunidade soberana de desferir um importante ataque político ao PAICV uma vez que os documentos, na posse desse partido, não foram obtidos por vias ou meios lícitos.

Com esta postura, um pouco de avestruz, o MPD ficou por saber que documentos estavam na posse do PAICV e como eles foram às suas mãos.

Aliás, o acesso indevido a documentos do Estado, que não por via legal e regimentalmente estabelecidos para os partidos e deputados, pode levar a conjeturas diversas, nomeadamente: se os documentos foram obtidos, através do suborno de funcionários ligados ao processo; ou se foram conseguidos, através dos seus militantes/funcionários que trabalham nos serviços que gerem o processo; ou ainda, se foram adquiridos, através de violação do sistema informático dos serviços intervenientes.

Tratando-se de correspondências de empresas e particulares, num processo de negócios em curso, o próprio Estado sai muito mal disso, por se ter demonstrado incapaz de assegurar e garantir sigilo e confidencialidade aos documentos que lhe são confiados em confiança.

Caso para meditar, onde ninguém esteve a altura das circunstâncias.

A dinâmica política atual assente na polarização das posições não favorece a construção de consensos em matérias e áreas fundamentais da governação do país, em particular em domínios que exigem opções e políticas de longo prazo, nomeadamente na justiça, na política externa, educação, na segurança, na economia (agricultura, turismo e indústria).

A geração de consenso só será exequível se o debate se situar no plano de ideias e de propostas, caso contrário, o debate democrático será substituído pela agitação e pela propaganda.

Debate programático, precisa-se!