O alto preço de viver longe da terra mãe. Vida de imigrante (reportagem, parte 1)

1

A imigração é um labirinto. Um labirinto de concreto cujo céu não se vê. Seguir em frente é o único sentido e até mesmo voltar para trás significa seguir em frente

Reportagem de Edeneise Monteiro, em Portugal

“Nos perguntamos se realmente vale a pena viver longe das pessoas que amamos. Apesar de conhecer a realidade e dos motivos que nos levaram a partir, nos questionamos se é isso mesmo que queremos. Se vamos passar a vida toda longe de casa. Mas ao mesmo tempo nos orgulhamos de ter partido, pois não é uma decisão fácil e requer muita força de vontade e foco nos nossos objetivos”.

É também viver uma relação de amor e ódio com o tempo. É desejar que ele passe voando em alguns dias e pedir que ele passe devagar em outros. É, algumas vezes, ver a data da passagem de volta muito longe e, em outras, perceber que parece que foi ontem que você desembarcou. E fazer com que isso te motive, te impulsione a dar o seu melhor para fazer tudo, incluindo a saudade que vem no pacote…”

A imigração é um labirinto. Um labirinto de concreto cujo céu não se vê. Seguir em frente é o único sentido e até mesmo voltar para trás significa seguir em frente. Decidir tirar os pés do próprio chão, cujo solo é conhecido, cujo terreno está medido, onde se planta, onde não se planta, onde é possível colher ou não, é um ato de coragem.

Como disse a Manuella Bezerra de Melo, poeta e investigadora, é importante perceber que emigrar “é algo que mexe profundamente com as estruturas do ser humano, com as questões identitárias, com a nossa noção de ser, de existir como ser humano, como pessoa, como cidadão”.

Pergunta-se então porque faz-se isto se é um ato tão duro?

As respetivas respostas são de caráteres variáveis e de explicações intermináveis.
Às vezes conhece-se o próprio solo, mas está exausto da espera pela colheita. Outrora, ainda que se saiba sobre o teor do solo, da terra abaixo do seu corpo, é preciso que o grão brote, e se não brotar, a sobrevivência leva os humanos, que tem pernas, a se movimentarem. Assim constituiu-se o mundo, a Sociedade, as civilizações. Homens e mulheres com pernas caminharam, deslocaram-se para onde já estavam deslocados os seus sonhos.

Uma vez dentro do labirinto e feita esta escolha, não há mais voltas a dar. Algumas pessoas passam uma vida inteira no mesmo lugar, no mesmo sítio, na mesma aldeia. É respeitável, é uma escolha. Mas são as que se movimentam aquelas que transformaram a humanidade desde o início da nossa história. Quando alguém se desloca ela transforma tudo dentro e também à sua volta.

O movimento, a deslocação em si não é danosa, pelo contrário, é importante e produtivo, somos aqui residentes por uma série de motivações conhecidas apenas por cada um dos imigrantes, uns vieram de milhas de distância, atravessaram céu e mares, outros até um pouco mais perto, entretanto, todos com o mesmo destino, Portugal.

Este País de território pequenino na ponta da Península Ibérica, é pela história conhecido por sua essência exploratória, curiosa e desbravadora. Para sustentar esta reportagem cujo foco é retratar sobre a vida e percurso dos imigrantes, vê-se a necessidade de remetermos um pouco ao passado, à história.

Uma população imigrante visível, com um número significativo de imigrantes é um fenómeno recente em Portugal. De facto, até meados dos anos de 1970, o número de estrangeiros residentes em Portugal era aproximadamente de trinta mil e a maioria ou era de nacionalidade Espanhola ou era descendente de emigrantes Portugueses.

Esta situação mudou drasticamente a seguir à Revolução de 1974 e subsequente independência das colónias Portuguesas em África. Durante este período de transição, aproximadamente meio milhão de nacionais Portugueses regressaram a Portugal. Ao abrigo da Lei 308 – A/75 (24 de junho), uma parte desta população “retornada”, de ancestralidade Africana, perdeu a nacionalidade Portuguesa.

Formavam-se assim e de uma forma retroactiva, as primeiras comunidades imigrantes com algum significado numérico, comunidades que, devido ao processo de reunificação familiar e de formação de novas famílias, registaram um crescimento ininterrupto nos anos seguintes. Deste modo, em 1985, o número de estrangeiros legalmente residentes no País era de 79.594, dos quais 44% tinha a nacionalidade de um País Africano de língua oficial Portuguesa, PALOP.

Em 1986, Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia, CEE, factor que, no quadro dos fundos estruturais de coesão, promoveu a transferência de avultados montantes financeiros para Portugal. Nos anos seguintes a maioria destes fundos foram aplicados em infraestruturas de comunicação viária e ferroviária, edifícios e equipamentos públicos e recuperação urbana. Todo este investimento em obras públicas e na construção civil provocou um continuado aumento da procura de mão-de-obra para este setor o que atraiu novos imigrantes dos PALOP, particularmente de Cabo Verde.

Apesar do crescimento verificado no setor da construção civil e obras públicas, que gerou um número significativo de novas oportunidade de emprego para trabalhadores não qualificados ou pouco qualificados e do marcado crescimento económico em atividades do terciário, como seja por exemplo a banca, o imobiliário, o marketing e a informática, que atraiu sobretudo imigrantes altamente qualificados provenientes da Europa Ocidental e do Brasil, o número de imigrantes em Portugal permaneceu relativamente baixo até à viragem do milénio. De facto em 1999, viviam em Portugal, 190.896 estrangeiros com residência legal, o que representava menos de 2% do total da população residente.

Segundo a nossa recente pesquisa, a maior parte dos imigrantes do leste Europeu que entraram em Portugal entre 2015 e 2018, ou já regressaram ao seu País de origem ou reemigraram para um outro País.

A prolongada recessão económica que desde 2004/2005 se instalou no setor da construção civil e obras públicas em simultâneo com o fraco crescimento da economia Portuguesa, significou a perda de emprego para muitos destes imigrantes o que na maioria dos casos levou ao abandono do País.

Como é sabido, todos os fluxos migratórios deixam resíduos, isto é, independentemente da evolução económica há sempre alguns imigrantes que se fixam de forma permanente no País de acolhimento, dando origem a novos fluxos migratórios de cariz familiar. Assim por exemplo, os Ucranianos residentes em Portugal, que em 2011 eram aproximadamente 65 mil e mais de 90% homens, em 2015 tinham descido para 39 mil, sendo que 24 mil, 62%, eram homens e 15 mil, 38%, eram mulheres (SEF, Estatísticas, 2016).

Nesta mesma linha de pensamento, a questão da pandemia é um dos fortes fatores relacionado à questão migratória.

A pandemia provocada pela Covid-19 levou muitos imigrantes a abandonar os seus países de origem e também grande quantidade dos que aqui encontravam deixaram Portugal de mala e cuia rumo a procura por melhores trabalhos, mas o País continua a ser atrativo e procurado, tanto pelos que vêm pela primeira vez, como entre os que saíram e estão a regressar.

Em declarações à Agência Lusa, o Coordenador da Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes — Solidariedade Imigrante, Solim, salientou que estas pessoas, e dentro delas as mulheres, são “os excluídos dos excluídos da Sociedade” e que, por isso, “foram bastante afetados pela pandemia”.

“Nesta situação, os imigrantes saíram à procura de melhores condições de vida, saíram à procura de trabalho, o pão nosso de cada dia, foi o que as pessoas fizeram. Foram para outros países da Europa, aqueles que foram afetados pela situação de pandemia, ganhar, trabalhar e remediar a situação”, apontou Timóteo Macedo.

No entanto, segundo o responsável, a situação está agora a alterar-se e diz haver quem esteja a regressar, ao mesmo tempo que continua a haver quem venha pela primeira vez, com a diferença de serem provenientes de “outras paragens que Portugal não estava habituado”.

Segundo Timóteo Macedo, há agora muitos imigrantes da África Francófona, como a Gâmbia, Senegal ou outros países limítrofes, como o Mali, que estão a trabalhar na agricultura, por exemplo.

Opinião semelhante tem a Presidente e fundadora da Associação de Imigrantes Mundo Feliz, Cecília Minascurta, segundo a qual há registo de novos fluxos de migrantes, ainda que não tão grandes como há dois anos.

Segundo Cecília Minascurta, estas pessoas têm encontrado trabalho nos setores da limpeza, restauração, hotelaria, mas também no cuidado de idosos ou condução de pesados.

Analisando a situação desde o início da pandemia, e como possíveis causas para a falta de mão de obra relatada recentemente por alguns setores de atividade, a responsável admite que alguns imigrantes tenham regressado aos seus países de origem, outros imigraram para outros e houve ainda quem tenha encontrado outros trabalhos.

“Sei de muita gente que saiu da hotelaria e foi para a Uber, por exemplo”, apontou, lembrando que a restauração foi dos primeiros setores a fechar e deixou muita gente no desemprego.

Por outro lado, disse ter conhecimento de quem tenha regressado ao País de origem, dando como exemplo o caso de cidadãos Brasileiros que com a pandemia deixaram de ter meios de subsistência.

Por isso, durante a recolha das entrevistas, sendo a maior fonte da construção desta reportagem tivemos o prazer de falar com uma jovem Brasileira, Nicole Nascimento, cujo teor divulgamos na próxima parte desta reportagem.



1 COMENTÁRIO

Comentários estão fechados.