Suporte teórico para as medidas económicas do pós-pandemia-Covid-19

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Nos próximos dias, o país será confrontado com discussões sobre as medidas económicas para o período pós-pandemia da COVID-19. Imagino que ninguém duvide que o impacto da doença sobre a economia cabo-verdiana seja severo e que o ano 2020 seja, claramente, de recessão económica.

Na perceptiva clássica da macroeconomia, a economia funciona em “ciclos económicos” contínuos, de expansão, pico, depressão e recessão, sendo este último definida como dois trimestres seguidos de queda do PIB.

No entanto, o que importa agora é sabermos como sair da recessão com um reduzido número de “fatalidades” económicas possíveis. Dito de outra forma, a questão que temos em pauta tem que ver com o que devemos fazer para “encurtar” a amplitude do ciclo económico desfavorável de forma que a recessão seja menos pronunciada.

Evidentemente, em Cabo Verde, com uma economia aberta e globalizada, a duração da fase recessiva dependerá, de entre outros fatores, do andamento das economias com as quais está mais ligado, nomeadamente, as europeias.

E quais são as nossas opções?

Para responder a esta pergunta recorrer-nos-emos ao modelo monetário simplificado, um framework de análise simples, mas de grande alcance.

Acho que todos estaríamos de acordo que a única forma de preservar o emprego e o rendimento é, indiscutivelmente, através de uma injeção de dinheiro na economia, grosso modo. Isto a pensar numa abordagem monetarista pura. Neste contexto, o banco central será convocado a desempenhar um papel chave, pois ele, e só ele, tem poderes para controlar a base monetária ou, se quisermos, o high-powered money.

Havendo disponibilidade externa que suporte uma política monetária largamente laxista, o aumento do crédito interno (∆DC = ∆DCnb +∆DCg) teria dois destinos apenas: o sector privado-empresas (e famílias), aqui representado por ∆DCnb, e o Governo central, denominado ∆DCg.

Nas circunstâncias em que estamos a viver, o financiamento bancário ao governo (i.e. via emissão de bilhetes ou títulos de tesouro que, na maior parte dos casos, são adquiridos pela banca), deve ser minimizado e resto maximizado. Isso para se evitar o crowding out ou a asfixia do sector privado por via do aumento das taxas de juro. O crowding out acontece quando os bancos preferem conceder crédito ao Estado, ao invés das empresas, pois, por mais “fatela” que Estado seja, em tese, nunca vai à falência.

As medidas tomadas pelo BCV vão no sentido de aumentar a liquidez na economia, colocando disponibilidades financeiras, a taxas reduzidas, para que os bancos financiem as empresas. Alerto, contudo, que a eficácia desta medida, no curto prazo, é limitada. Uma das razões tem que ver com os chamados lag ou atrasos na transmissão da política monetária que pode ser de 3 a 6 meses. Uma outra, não menos importante, reside no facto de a maioria dos bancos não terem problemas de liquidez, aliás, tem-nos em excesso.
A drawback de facto.

Recomendam-se que as medidas do BCV sejam revisitadas e ajustadas, pois, os bancos podem simplesmente “dispensar” essa janela colocada à sua disposição pelo BCV por duas ordens de razão: primeira, não precisam de liquidez; segunda, a medida em si, boa em intenção, tem, no entanto, “condicionalismos” que reduzem a sua atratividade num mercado bancário oligopolista.

Tudo isso pode resultar que a expetativa de financiamento às empresas, com taxas de juro activa, “no máximo de 3%, “seja apenas um desejo do Governo.

Uma outra medida alternativa de eficácia de longe superior ao do BCV poderia ter como alvo o balanço dos bancos  comercias. A “compra” por exemplo por parte do BCV de  activos “tóxicos” da banca  poderia ser um “alívio” imediato para a banca. Uma lufada de ar fresco na verdade. (Os terenos que constam no balanço poderiam ser cedidos às Câmaras Municipais nos termos a serem negociados).

Esta proposta comporta “risco moral“, sem dúvida por causa do volume “dos mal parados”,  mas tem a vantagem de se evitar injetar mais liquidez na economia, de que a banca não precisa, e que, a prazo, pode criar um outro problema que não queremos, qual seja a pressão sobre a paridade de escudo com o euro por causa do escudo overhang.

E como não há almoços grátis, é razoável que se pergunte quem pagaria os custos desta medida se ela for tomada?

E como sempre, e sem surpresas, the buck will stop with the government.

Sendo assim, que opções tem o governo neste ambiente de restrição macroeconómica severa, traduzida numa quebra acentuada de receitas?

Uma simples equação de financiamento do défice orçamental, acessível a qualquer leitor, pode ajudar-nos a perceber melhor a situação:

Nesse caso temos: G-T= ∆DCg+ ∆NFAg  uma equação que indica as opções que o governo tem para financiar o seu défice orçamental (G -T). Exemplificando o G representa os gastos do governo e o T são as receitas do Estado. (incluindo no G estão obviamente as transferências para os  municípios).

O que esta simples equação nos diz é que para que o Governo faça a sua parte (contando, claro, com o esforço das empresas), o défice orçamental tem de ser maior, bastante superior ao previsto, obviamente.

Outrossim, pelo que foi dito anteriormente, o financiamento interno do défice não é recomendável, pelo que a variável chave é  ∆NFAg, ou seja,  o aumento do endividamento externo.

Sem entrar em detalhes, hão de convir connosco que a capacidade de mobilização de recursos externos depende, sobremaneira, da credibilidade creditícia do governo. We`re  boxed but we can manage a way out!

Neste caso, conforme disse o Ministro das Finanças, na atual conjuntura e nos próximos tempos, as pessoas são mais importantes que as estatísticas. Dito doutra forma, para salvar a vida humana, vamos ter que lidar com uma dívida externa alta que, em termos do PIB, pode atingir os 140% ou mais. Jesus!

Mas o peso da dívida e a sua sustentabilidade (e why not perdão) ficam para depois, por conseguinte, conforme disse Keynes, “no longo prazo estaremos todos mortos”.

Se hoje é mais importante que o amanhã, a questão colocada no início é de novo repescada, ou seja, como encurtar o ciclo recessivo desfavorável?

Simples:
• Primeiro, assegurar que as empresas acedam ao financiamento bancário a custos baixos, se for inferior a 2% é um must.

• Segundo, aumentar as transferências aos municípios para obras de requalificação urbana e ambiental. Um  PRAA-2 aumentado. É  uma “abordagem botton up” e de eficácia tremenda e rápida, pois, com isso, as pequenas empresas que forem contratualizadas pelas Câmaras Municipais, podem criar empregos e o rendimento para as famílias em pouco tempo.

Digo isso porque os presidentes das câmaras municipais sabem melhor do que ninguém que a “propensão para consumo” é alta nas camadas dos trabalhadores do setor dito informal, da construção civil e dos serviços. E não pode haver o melhor antídoto contra a Covid-19 que a redinamização do consumo das famílias. Quem poderá estar em desacordo com isso?

Eis a minha pequena contribuição.



3 COMENTÁRIOS

  1. “As medidas tomadas pelo BCV vão no sentido de aumentar a liquidez na economia, colocando disponibilidades financeiras, a taxas reduzidas, para que os bancos financiem as empresas. Alerto, contudo, que a eficácia desta medida, no curto prazo, é limitada. Uma das razões tem que ver com os chamados lag ou atrasos na transmissão da política monetária que pode ser de 3 a 6 meses. Uma outra, não menos importante, reside no facto de a maioria dos bancos não terem problemas de liquidez, aliás, tem-nos em excesso.” Ora aí está uma opinião de gente de entende da Economia, mais concretamente da Macroeconomia. Concordo em absoluto com a opinião de Óscar Santos. Além dos dois obstáculos, de curto prazo, apontados pelo Óscar, que é Mestre Economia por uma prestigiada Universidade Americana, dizia existe ainda o perigo de o dinheiro barato injetado na economia provocar uma crise inflacionária, essa sim, exigirá sacrifícios sacrificios ainda maiores. Por outro lado, não está garantida a total adesão por parte das empresas aos recursos baratos de curto prazo, já que a mão-de-obra está condicionada e o consumo tende a reduzir-se. Descendo um pouco mais, ao nível da ‘real economy’, verifica-se o BCV optou pelo mal menor, já que sem aquelas medidas os impactos da crise nas familias que já são duros, seriam mais acentuados. E mais, os efeitos negativos na economia aconteceram por causa do efeito da ‘eficiencia de Pareto’. Ainda assim, mantenho a opinião expressa desde o primeiro momento de apoio em como o Governo agiu bem: cuidar dos vivos, tratar dos enfermos, manter a Administração do Estado funcional, e as contas fazem-se no final.

  2. Há que dizê-lo: há uma diferença abismal entre os ‘achismos’ económicos de JMN, do Tchico Carbadju, Yannick e outros comandados da JHA, e por outro lado aquilo que disserta é propõe para debate o Óscar. De um lado, gente que desistiu de usar a cabeça e de outro, simplesmente um Óscar. De um lado a militância obscurantista e de outro a Ciência. Mas é também verdade, nessas coisas, cada um usa as armas de que dispõe.

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