Nos últimos três dias tenho recebido várias chamadas de alertas em como se está a organizar uma manifestação de produtores culturais e artistas. Sinto algum receio nessas vozes amigas e que de certa forma apelam a que se faça algo antes da manifestação. Sim, quero fazer algo antes da manifestação.
Queria acabar com a pandemia, queria o fim do uso da máscara e do álcool gel em sinal do fim do COVID-19, queria o retorno de aviões aos nossos aeroportos e de turistas às nossas ilhas. Queria a normalidade. Queria ser um super-homem e prometer tudo isso antes do dia da manifestação, porque no fundo são esses os pedidos. Mas infelizmente não posso mentir. O mundo está uma babel, de pernas para o ar, não há normalidade possível de se anunciar num momento em que todas as grandes potencias europeias e os Estados Unidos enfrentam o pior estágio da crise pandémica.
Enfim, queria prometer-vos um mundo cor de rosa e discursar sobre a excecionalidade cabo-verdiana. Mas não posso mentir. Não posso prometer o que não consigo cumprir num momento em que, igualmente cabo-verdianos de todos os outros sectores, lutam para manter condições de dignidade nos seus empregos, nas suas empresas, nas suas famílias.
Na impossibilidade de fazer algo concreto e realista antes da manifestação, quero e devo dizer que sou a favor de todas as manifestações. As manifestações devem acontecer, as classes artísticas devem se organizar e sair às ruas agora. Qualquer governante deve se sentir orgulhoso quando as classes artísticas e culturais saem às ruas. Normalmente são causas justas e pela dignidade do coletivo. Defenderei com todas as minhas forças estas manifestações. Mesmo que não tenham sido feitas a quando da aprovação do orçamento geral do estado, altura em que alertei publicamente para a conjuntura difícil, devem sair mesmo que os seus promotores tenham se remetido ao silêncio perante o meu apelo de um lobbie coletivo para que as verbas para o sector da cultura fossem aumentadas sucessivamente nos vários orçamentos gerais do estado.
Todos os profissionais da cultura devem sair à rua. Mais vale tarde do que nunca. Devem sair mesmo os que receberam trabalho e patrocínios do ministério da cultura durante a normalidade e durante esse período de retoma. Devem sair à rua pois a cultura não está nem nunca esteve à venda, devem sair mesmo os que receberam incentivos para a sua internacionalização, mesmo os que receberam ano após anos financiamentos através dos editais e dos programas do ministério. Os artistas e criadores não estão nem nunca estiveram à venda. Essa deve ser uma manifestação por mais qualidade, por mais dignidade e porque não por mais (auto)responsabilidade.
A cultura é isso mesmo: liberdade, autonomia, participação. Espero que gritem slogans justos, revolucionários e irreverentes, espero que sejam muitos para mostrar a relevância do sector. Espero também que tudo o que acontecer seja por livre vontade e por convicção. Repito: eu apoio todas as manifestações tenham ou não um cunho político partidário. É o maior ganho do 13 de janeiro e da mudança de regime de 1991. É sempre possível fazer mais, é sempre necessário fazer mais. Esta deve ser uma manifestação por mais capacidade de intervenção e influenciação, por uma massa critica mais consistente, coerente e ativa. Mesmo que o mundo esteja um caos e o sector cultural, a nível mundial, esteja a passar pela maior crise de que há memória, digo: avante. Avante artistas e agentes culturais.
Confesso que esperei 5 anos, a cada aprovação do Orçamento Geral do Estado, ouvir a vossa voz de apoio por mais recursos. Mais vale tarde do que nunca. Manifestai e fazei-me sentir orgulhoso, fazei-me sentir que valeu a pena esta luta e esta entrega em prol da nossa cultura durante este mandato.
Eu sou empresário, não tenho tido encomendas há mais de 7 meses….VOU para rua manifestar!
Tenho todos os meses que pagar 35% aos trabalhadores mais a contribuição no INPS e não tenho tido rendimentos….VOU para a Rua manifestar!
Todos os meses tenho que pagar a renda ao senhorio senão mete-me um processo de despejo…VOU para a rua manifestar!
Na minha casa passamos a poupar luz e agua… e deixamos de ir de férias e aos restaurantes aos domingos…VOU para a Rua manifestar!
…combinei com a minha família para mobilizarmos o resto da nossa familia para irmos à rua…em resposta disseram-me que também enfrentam os mesmos problemas com o negócio deles, só que “essa opção em ser empresário é mesmo assim…o risco e o proveito devem ser assacados não ao Governo mas sim a opção de vida assumida.
A CULTURA É UMA FORMA E UMA OPÇÃO DE VIDA!
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